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As desigualdades sociais e a pobreza foram pouco abordadas, durante a campanha para as eleições legislativas, em evidente contraste com o agudizar do deslaçamento social que ameaça agravar as condições de vida de uma franja significativa da população. Ainda não sabemos quem serão os futuros governantes, uns preferem políticos experimentados, outros técnicos qualificados. Perfis à parte, desejo que o próximo elenco governativo enfrente, com coragem e determinação, a realidade do nosso país e não a idealizada nos corredores e gabinetes do poder, dados ao experimentalismo social e ao tacticismo político. Não é possível continuarmos a assistir, passivamente, ao endurecimento das condições de vida dos pobres e à (quase) extinção da classe média. A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza contempla mais de 270 medidas que requerem reflexão para a sua eficiente execução. Valerá a pena prestarmos atenção ao olhar de Esther Duflo, distinguida com o Nobel da Economia em 2019, autora de livros como “Boa Economia para Tempos Difíceis” e a “Economia dos Pobres” (Actual Editora) e à reflexão, no artigo de opinião “A Economia da Fome”, de António Brito Guterres, na coluna “Traficante de Sonhos” (Diário de Notícias, 16/03/2024). Respondamos afirmativamente à chamada de Esther, “confiemos nos pobres”, demos-lhes dignidade, experimentemos, avaliemos, voltemos a experimentar. Algo estamos a fazer mal, ao não conseguimos quebrar o ciclo geracional e estrutural da pobreza. Políticos, investigadores, trabalhadores sociais e ativistas, reconheçamos, humildemente, a pouca eficácia das nossas intervenções, ao longo dos últimos anos. É imprescindível conhecer a vida dos pobres. Não há respostas apriorísticas, nem soluções instantâneas para responder ao desafio multidimensional da pobreza. As famílias multidesafiadas vivenciam problemas que se interceccionam e, portanto, requerem distintas soluções. Esther é apologista da “mentalidade do canalizador” como via para a resolução de problemas específicos. É necessário colocar a mão na massa e trabalhar todos os dias. O canalizador, quando é chamado às nossas casas, procura resolver o problema identificado por tentativa e erro. Nem sempre consegue ver todos os possíveis focos do problema (há canos e ligações ocultas, metidos nas paredes…), vai experimentando e avaliando possíveis soluções. Também acredito no potencial das pequenas intervenções, como soluções específicas para cada pessoa, cada família, cada comunidade. Tenhamos a coragem e a abertura necessárias para experimentarmos soluções construídas com as pessoas. “É urgente pensar em criar políticas sociais envolventes, construídas também na base, a partir dos classificados como «vulneráveis».” (António Brito Guterres)
A Europa, Portugal não é exceção, tem vindo a tornar-se campo fértil para o populismo, aporofobia e xenofobia. É fundamental “quebrar a divisão entre o «Nós» e o «Eles»”. Ponhamos termo à profunda desconfiança em relação ao outro, ao pobre, ao migrante! Não, as pessoas não se acostumam, não querem ser pobres. De uma vez por todas, erradiquemos as ideias preconcebidas como a de que os pobres tendem a ser preguiçosos. Ninguém quer ser subsídiodependente! Abandonemos este conceito vil e volátil que, muito provavelmente, não deixa de ser um mito com pouca aderência aos dados e aos fatos. Há experiências internacionais a comprovar que o acesso a rendimentos, por via de apoios sociais, não impede as pessoas de trabalhar. Urge intervir numa lógica emancipatória que potencie a transitoriedade dos contextos de vulnerabilidade e a aplicação dos “recursos existentes de forma justa e verdadeira orientados para enaltecer as potencialidades, mudando o paradigma, propor a equidade.”
As desigualdades aumentam muito e depressa. A classe média está a ser esmagada. A empatia está arredada dos quotidianos desafiantes, sombrios e desumanizados. É tempo de deixarmos de bater palmas à pseudoinovação social, num experimentalismo sem fim, com acesso a recursos significativos, mas com métricas de impacto social desligadas das reais necessidades das pessoas. Já chega de inovação que gera pouca ação e raramente se transforma em solução. Digamos basta ao paternalismo bacoco, anacrónico, desnecessário e prejudicial dos “queridos” e “queridas” dos “nossos meninos”, das “nossas velhinhas”, dos “pobrezinhos”. As pessoas estão exaustas, não querem condescendência, exigem respeito, não desejam a caridade, defendem a imparcialidade, o empoderamento, a dignidade e a equidade.
No que diz respeito à implementação de medidas e da execução de projetos de intervenção social e comunitária, temos que ser audazes e capazes de criar condições que nos libertem do garrote das dinâmicas resultadistas, impregnadas por burocracias sem fim, castradoras do processo que permitam conhecer a fundo os problemas e testar soluções personalizadas, construídas com as pessoas.
O código postal diz muito sobre uma pessoa e a sua família, sobre o seu presente e o seu futuro. Cumpre-nos, como comunidade, combater e inverter esta realidade, empoderando as pessoas para que se libertem das amarras do inevitável destino traçado à nascença.
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Margarida Benedita
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