Autor

David Duarte

12 de 06 de 2021, 15:24

Colunistas

Fragmentos de um Diário - 20 de Fevereiro de 1976

A política deveria ser a arte do bem, o exercício dos valores mais nobres da humanidade. A prática demonstra o contrário

O governo de Samora Machel decretou a nacionalização, de que já se falava, dos bens particulares dos brancos, cumprindo, portanto, cabal e honradamente o acordo assinado em Lusaca quanto à defesa e segurança dos bens dos portugueses residentes no território. Isto significa que todo o esforço, espírito de sacrifício e poupança a que os meus pais se dedicaram ao longo de duas décadas foram reduzidos a pó e cinza.

E, no entanto, não acredito que algum daqueles camaradas que agora ocupam o poder tenha mais amor à terra moçambicana do que a minha mãe. Que rapidamente se adaptou a Lourenço Marques, aprendendo a gostar do novo clima, dos novos cheiros, das gentes, recusando ter qualquer criado para a ajudar nas lides domésticas, que apenas desejava viver a sua vida e cuidar da família sem preconceitos políticos ou rancores ideológicos.
     
Mas a vida no planeta Terra está marcada pelo vómito humano. Já os portugueses expulsaram os judeus no tempo de Dom Manuel I. A história humana está viciada por estas vicissitudes desumanas. Os donos do mundo, donos afinal de nada, de uma mão cheia de ****, e apenas provisoriamente, enquanto não são substituídos por outros senhores, destroem, arruínam, esvaziam de valor a vida política. A política deveria ser a arte do bem, o exercício dos valores mais nobres da humanidade. A prática demonstra o contrário.

Outro assunto: A minha colega, que pensou que namorava comigo, arrependeu-se e enviou-me umas amigas como emissárias; ela própria veio ter comigo; pretendia recomeçar. Insistiu. Mas não me apetecia sequer curtir com ela. E não era agora que lhe ia falar da Fátima, e de como não poderia corresponder a qualquer outra solicitação afetiva, pelo menos nos próximos tempos. Não sei do futuro. Mas sei do que sinto, das imensas saudades que me ferem interiormente. Por quanto tempo? Espero que para sempre. Mas para sempre é muito tempo e o corpo é frágil e a alma, vento.

Escrevo: quero fazer da poesia a minha vida. Pergunto: por que não faço da minha vida uma poesia?
Escrevo: estou prestes a partir. Digo a mim mesmo: parte antes em cada instante.