Sandra Rodrigues

06 de 08 de 2022, 08:13

Diário

Floresta: Os olhos de quem varre centenas de quilómetros para norte, sul, este e oeste

São 18 os postos de vigia espalhados pelo distrito de Viseu. Uma rede primária de prevenção dos fogos florestais por quem diz que o fogo é pior que o ladrão

GNR Visita vigia "Vasco" em Mangualde

Fotógrafo: Igor Ferreira

Mapas, cartas topográficas, mesa de ângulo, monóculo, rádios de comunicações e uma visão de falcão. Vasco Costa é há 34 anos um dos vigilantes do posto de Poisadas, Mangualde, e isto é tudo o que precisa para a sua missão. Oito horas por dia o seu olhar varre centenas de quilómetros para norte, sul, este e oeste. Da Serra da Estrela a Nelas, de Oliveira de Frades a Penalva do Castelo com a volta a terminar em Celorico da Beira. Cinco dias por semana.
A cor do fumo já não tem mistérios para o vigilante que consegue distinguir o pó da passagem de carros pelos estradões florestais do fumo que sai de uma fábrica ou de um incêndio. Subir e descer os 12 metros de escadas que dá acesso à cabine do posto é “como beber um copo de água” e o turno da noite é o que mais lhe agrada.


Em 34 anos de vigia, Vasco Costa, de 64 anos, tem muitas histórias para contar, mas nenhuma como a que lhe fez mostrar as lágrima dos mesmos olhos que guardam a floresta. “Ouvir no rádio as comunicações de bombeiros no fogo em S. Pedro do Sul a pedir socorro e não poder fazer nada para os ajudar deixou-me aflito”, recorda, enquanto esconde a cara com as mãos.
“O fogo é o pior que um ladrão que assalta mas deixa lá ficar a casa. O fogo leva tudo”, diz, quase em grito de revolta. A mesma revolta que sentiu em 2017 quando teve de abandonar o posto de vigia e refugiar-se num abrigo porque o fogo ladrão cercou-o. Passou, levou tudo, mas deixou Vasco, a voz que se identifica como “Apolo8ponto16”, o seu código de vigia.


Vasco Costa é um dos 72 vigilantes que tomam conta dos 18 postos de vigia que estão espalhados pelo distrito de Viseu e sob a alçada da GNR. O número de estruturas já chegou a ser 20, mas duas – Santa Luzia (Viseu) e Senhora da Boa Esperança (Tondela) – estão fechadas. A primeiro por falta condições de segurança; a segunda porque está ainda a ser reconstruída depois de ter ficado danificada aquando da passagem da tempestade Elsa em 2019.
São estes postos, que tanto podem ser em pedra como em formato de cogumelos ou tubolares, que fazem parte da rede primária de vigilância. Os candidatos são recrutados pela GNR e muitos dos vigilantes são já velhos conhecidos como o caso de Vasco Costa. “O trabalho deles é muito importante”, realça o sargento Pedro Correia. É aos vigilantes que a GNR recorre logo quando começa uma investigação de incêndios e é o vigilante a dar o primeiro alerta assim que vê fumo no horizonte. A mais valia, destaca o sargento, é que o vigilante sabe, por exemplo, distinguir o tipo de fumo e assim fazer logo uma triagem da ocorrência.
“É este alerta precoce que contribui para uma rápida intervenção”, por um lado, “e depois porque o próprio vigilante tem também um efeito dissuasor”, acrescenta.


Todos os postos de vigia têm intervisibilidade entre si, o que permite fazer uma triangulação, definindo, assim, com exatidão a localização inicial de um foco de incêndio. Vasco Costa mostra como se faz, embora, como diz, já quase que nem precisa de recorrer à mesa de ângulo que tem de estar sempre bem calibrada. Com as coordenadas encontradas de onde vê o fumo e com as comunicações das coordenadas dos seus colegas nos outros pontos de vigia, basta traçar as linhas e no ponto onde elas se cruzam aí está o incêndio. Depois, é de imediato comunicar para o militar que se encontra na sala do Centro Distrital de Operações e Socorro para que a Proteção Civil mobilize os meios para o local.
Enquanto faz a demonstração, ao fundo, para os lados de Nelas, levanta-se um fumo branco. “É da pedreira”, apronta-se logo a dizer Vasco Costa. “Aqui está! Se fosse uma câmara de videovigilância iria logo identificar como um incêndio”, esclarece, deixando escapar um olhar maroto como quem diz que ainda não há como substituir o homem.


Mas no combate aos incêndios florestais, todos os olhos são poucos. Além dos 18 postos de vigia, o território de Viseu está ainda coberto, nos ângulos mortos, por 17 câmaras de videovigilância (um projeto da Comunidade Intermunicipal Viseu Dão Lafões) que transmitem em tempo real as imagens para a sala da GNR de Viseu. E a juntar a estes “olhos” há ainda o drone da Força Aérea que patrulha sete distritos e cujo centro coordenador está também na GNR de Viseu.
“Temos montado uma espécie de big brother da floresta”, assegura o capitão Luís Ribeiro, responsável por toda a coordenação. “A supervisão faz-se 24 horas sobre 24 horas e temos tido um grau de eficácia e eficiência elevado”, acrescenta.
Para isso contribuem também os meios no terreno, desde as patrulhas da GNR, do Exército, das equipas de Sapadores e tantos outros que estão envolvidos na prevenção. Depois, o trabalho que é feito pelos bombeiros e outros agentes da Proteção Civil. “Tudo isto tem contribuído para que em Viseu, um distrito com um grande número de ocorrências, se tenha conseguido, até, antecipar muitas destas ocorrências”, sustenta.
Mas mesmo com todos estes olhos, nada é eficaz, como diz o capitão Ribeiro, se a proteção civil não começar em cada um de nós. O esforço, conclui, “deve começar na pré-época”.


GNR Visita vigia

Fotógrafo: Igor Ferreira


GNR Visita vigia

Fotógrafo: Igor Ferreira


GNR Visita vigia

Fotógrafo: Igor Ferreira


GNR Visita vigia

Fotógrafo: Igor Ferreira


GNR Visita vigia

Fotógrafo: Igor Ferreira