Carlos Eduardo

25 de 06 de 2022, 09:05

Diário

A Mia, o Liberdade e o Manteigas fazem a história dos 20 anos do Parque da Serra das Meadas

Um cavalo chamado Liberdade, um milhafre preto a quem foi dado o nome de Mia ou a Maria Joaquina, um papagaio com ligeiros ciúmes. São apenas três histórias que são contadas no Parque Biológico da Serra das Meadas, em Lamego. Por ali há mais de 200 animais e uma imensa e refrescante sombra. Uma mancha verde que nasceu há duas décadas e que é abrigo de mais de dezenas de espécies diferentes tratadas por uma equipa de 15 pessoas.

Parque Biologico de Lamego

Fotógrafo: Igor Ferreira

São 50 hectares de uma mancha verde no topo da cidade de Lamego que estão ao alcance de qualquer pessoa, independentemente da mobilidade. Há por aqui cerca de 200 animais de dezenas de espécies diferentes. Um percurso de três quilómetros rodeados de natureza. A apresentação deste espaço poderia perfeitamente ficar por aqui, mas a história do Parque Biológico da Serra das Meadas, em Lamego tem de ser contada recuando duas décadas. Ali ocorreram fogos que deixaram devastado um dos pulmões de Lamego, se não mesmo o maior. "Alguém se lembrou que havia uma mancha florestal que deveria ser protegida. Vedou-se, fizeram-se caminhos, cuidou-se da floresta e limpou-se o terreno na medida do possível, não limpando demasiado para não interferir muito com a floresta. O objetivo maior era proteger a floresta", começa por dizer Hélder Santos, diretor do Parque.

O início foi este. Hoje o parque é habitado por diversos animais que estão ao cuidado de uma equipa com 15 pessoas. "Temos técnicos superiores na área da biologia, medicina veterinária, engenheiros zootécnicos e assistentes operacionais que tratam da manutenção e alimentação dos animais", descreve.

Os sons, aqui, provam que estamos no meio da natureza. Volta e meia há pássaros ou abelhas que dão sinal de vida. Uns passos à frente encontramos o Liberdade, um cavalo a quem foi posto este nome por ter nascido no dia 25 de abril. "Contrariámos um pouco a regra. Os nomes são dados aos cavalos seguindo as letras do alfabeto. No ano x são batizados pela letra y. Mas contrariámos isso. Se nasceu no 25 de Abril, chamamos-lhe Liberdade. Temos também o Manteigas, o Eco e a pónei é a Bolota. A mãe do Liberdade é a Cecília", diz Hélder apontando. O Manteigas, conta, é o mais irrequieto e o que mais interage. "É um artista, uma estrela da companhia. Tem um vício que é abocanhar o braço dos miúdos. Mas não magoa. Uma vez um técnico estava a explicar uma coisa a um grupo e de repente o miúdo estava pendurado pelo braço na boca do Manteigas. Não aperta muito... Os miúdos adoram fazer-lhe festas e ele é um bocado maroto", confidencia.

Numa tarde quente de quase verão, os javalis abrigam-se na sombra. O parque onde estes animais estão, está, naturalmente, vedado e vegetação é algo que não existe por ali. "Não há como javalis para transformar um lugar num deserto. Não há uma folhinha verde, deram cabo de tudo", diz, entre risos. Quando nos aproximamos, afastam-se. "Estão de barriga cheia. Com fome já estavam mais perto a pedir comida", revela Hélder Santos.

A ligação entre a equipa do Parque e os animais além de longa é feita de afetos. E quando algum animal morre sente-se um vazio, confessa o também Chefe de Divisão de Ambiente e Serviços Urbanos do município de Lamego. "Tivemos um milhafre preto que viveu muito perto dos técnicos. Adoeceu, morreu e enterrámos o cadáver ao lado do gabinete. Sabemos que está ali. Fizemos o luto de uma ave com quem convivemos muito tempo. Era a Mia", recorda. Mas há mais lembranças. "A GNR apreendeu uma cobra no concelho de Resende. Fomos lá buscá-la e tratámos dela durante mais de uma década. Houve um tempo em que deixou de alimentar-se, tínhamos de a entubar e fazer uma papa líquida com carne. Recuperou, viveu mais uns tempos e acabou por morrer", relembra Hélder Santos.

O chilrear é uma constante ao longo do percurso. O Parque tem muitas aves para conhecer. Milhafres, bufo real, corvo, águia cobreira e tantos tantos outros exemplares para descobrir. E esta lista diz respeito a pássaros enjaulados. Fora todos os outros que por aqui passam. "Pássaros livres temos gralhas, gaios... De variadíssimas espécies. Algumas catalugadas, outras não. E sem ser pássaros há por aí raposas, coelhos bravos, esquilos... A fauna livre e selvagem é muito abundante aqui", enumera Hélder Santos, enquanto nos aproximamos do lugar onde estão os veados.

O Parque é visitado em média por 8 mil pessoas ao ano. Antes da pandemia eram 10 mil as pessoas que visitavam este espaço anualmente. Há visitantes de todas as idades, mas é no público mais jovem que as dúvidas são mais colocadas. "As crianças estão sempre mais em busca do conhecimento. Perguntam por norma porque é que temos esta ou aquela espécie, porque é que aquela ave está em cativeiro e não está livre na natureza, por exemplo", detalha.

A visita ao Parque aproxima-se do fim, mas não sem antes Alexandre Hoffman, biólogo naquele lugar, partilhar uma outra questão de volta e meia há que resolver. "Quando as aves de rapina são criadas por seres humanos podem começar a não ter condições para depois interagirem com a própria espécie. Por este motivo não as colocamos junto a outros animais da espécie. Tentámos com a Mia, mas ela entrou numa tal negação de alimento que voltou para junto de nós".
Mas não foi apenas a Mia, o tal milhafre preto a quem foi prestada a homenagem, que passou por esta situação. "Já tivemos uma gralha comum, chamada Maria Joaquina e agora temos uma pega rabuda que ainda está por batizar. Nestes casos mantemos estas aves mais próximo de nós porque lhes diminui a situação de stress. São animais que criam relações afetivas com os técnicos ao ponto de nos fazerem companhia, mas também interagirem com os visitantes. A Mia fazia treinos de voo e ia ao braço dos visitantes, tirava fotografias... A Maria Joaquina cumprimentava quem passava com um "olá", a pega rabuda ainda não cumprimenta, mas também interage com as pessoas", detalha.

Há também casos de tanto afeto com a equipa do Parque que acabam numa espécie de ciúme. "Temos uma papagaia, a Jamaica, que tem um feitio muito peculiar. Ao contrário da Mia, da Maria Joaquina ou da pega rabuda, a Jamaica criou uma relação muito forte com os técnicos e com os tratadores mas não suporta gente de fora. É uma rabugenta de primeira apanha...", confidencia Alexandre Hoffman.

A verdade é que cada animal tem uma história por contar neste lugar. O Parque da Serra das Meadas tem um total de 50 hectares de dimensão, num percurso de três quilómetros para trilhar. São 200 animais de várias espécies e uma imensa sombra para aproveitar em família. Está acessível a todos com diversa informação sobre cada animal e espécie. Um Parque que nasceu para dar uma resposta aos fogos florestais e que hoje responde às perguntas de oito mil visitantes por ano.


Parque Biologico de Lamego

Fotógrafo: Igor Ferreira


Parque Biologico de Lamego

Fotógrafo: Igor Ferreira


Parque Biologico de Lamego

Fotógrafo: Igor Ferreira


Parque Biologico de Lamego

Fotógrafo: Igor Ferreira


Parque Biologico de Lamego

Fotógrafo: Igor Ferreira