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23 de 10 de 2021, 09:00

Diário

Carros elétricos, sim ou não?

Diz-se que há vantagens e desvantagens nos carros elétricos. A energia é mais barata, mas a nível ambiental as baterias de lítio ainda são um desafio. Já a nível industrial, a sobrevivência do setor pode estar em causa

Carros Elétricos

Fotógrafo: Igor Ferreira

Com o preço dos combustíveis a subir, já se começa a olhar para opções mais económicas. Uma delas são os carros elétricos, pelo menos, em alguns aspetos. E já se sabe: até 2030 os híbridos e os elétricos vão dominar a totalidade do mercado automóvel. Diz-se também que a partir de 2024 “o carro elétrico vai ser a forma mais barata das pessoas se deslocarem se carregarem o carro em casa, sobretudo à noite”. Quem o diz é Joaquim Delgado, docente do curso de Gestão Industrial, do Instituto Politécnico de Viseu (IPV).

Para “atestar” um automóvel elétrico qualquer tomada doméstica serve. É possível atingir os 80 por cento em 20 minutos, dependendo do modelo, da bateria, do carregador e até da temperatura. Segundo a Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), é recomendado manter a carga da bateria entre os 80 por cento e os 10 por cento, não carregar sempre na totalidade, nem deixar que o nível de carga seja inferior aos 10 por cento. Assim, segundo a associação, a bateria pode durar mais de 15 anos.

E Joaquim Delgado revela: “já temos muitos carros no mercado com autonomia de 400 a 500 quilómetros por dia”. Além disso, “a eletricidade anda na ordem dos 11 ou 12 cêntimos mais iva. Mas, se a pessoa não tem essa facilidade de carregar em casa e tem que ir a um posto de carregamento público, hoje em dia, a eletricidade está a ficar tão cara fora de casa que é mais caro andar de carro elétrico do que de carro a gasolina”, alerta.

Do ponto de vista industrial, no seu entender, a sobrevivência do setor de montagem de automóveis está posta em causa. “Como não há fábricas de baterias em Portugal, nem vai haver porque o Estado não fez essa previsão, e como a bateria é o órgão mais caro do carro, não estou a ver as fábricas a manterem-se em Portugal, transportar baterias da Alemanha para Portugal para pôr num carro para voltar outra vez para a Alemanha”.

“Porque o carro elétrico é um carro muito mais simplificado, tem muito menos peças: é uma bateria, um motor elétrico, um controlador, um sistema muito simples”, acrescentou. Se não se inverter caminho, “e acho que já vão tarde”, a grande parte dos postos de trabalho nestas empresas poderá estar em causa.

A produção poderá ser deslocada para outros locais e fábricas mais próximas das matérias-primas. “E, nós, como país periférico, está tudo posto em causa porque não têm tido visão estratégica em manter cá este investimento”, sustentou.


E as baterias em fim de vida?

A nível ambiental, a conversa é outra. Perguntámos a Pedro Baila Antunes, diretor do curso de Engenharia do Ambiente do IPV, se dizia 'sim 'aos carros elétricos.

A resposta foi simples: “diria que sim com um ‘mas’ cada vez mais pequenino”. “Temos que ter a produção de energia elétrica sustentável e Portugal aí até dá cartas porque 60 por cento da nossa energia é energia renovável, mas mesmo assim é preciso equacionar alguns outros aspetos, nomeadamente, o tipo de energia com que vamos abastecer o carro”, começou por explicar.

E completou: “por exemplo, à noite a energia, desde logo, é mais barata e isso é bom para o consumidor até porque de dia se formos a que carregador rápido pagamos muito mais energia, mas acima de tudo à noite a energia é cada vez mais produzida através de eólicas, energia hídrica e aí compensa muito mais sob o ponto de vista ecológico e económico”.

Uma viagem de Viseu até ao Algarve pode significar a utilização de carregadores ultrarrápidos e, assim, “vamos pagar muito mais pela energia elétrica e aproximamo-nos muito do preço da energia dos combustíveis fósseis, da gasolina e do gasóleo”.

Também a questão das baterias é um grande desafio. “As baterias de lítio, verdade seja dita, no papel 95 por cento dos materiais das baterias são recicláveis e isso é uma evidência. Duram cada vez mais e podem ultrapassar os 20 anos”, sublinhou. E chegou o tal ‘mas’: “tem que haver cuidado acima de tudo ao nível da extração do lítio, que há explorações com grandes impactos ambientais”.

Em fim de vida, as baterias seguem para ser utilizadas por outras vias “não tão finas como são as exigências dos automóveis”. A seu ver, “há um longo caminho a percorrer a esse nível, quer em termos da produção, quer em termos da reutilização, reciclagem e sustentabilidade da deposição final das baterias. Mas, estamos a avançar mais também nesse domínio”.

Para Pedro Baila Antunes, o consumidor também tem que ter alguns cuidados, desde logo, sob o ponto de vista económico. Assim, a concordar com as palavras de Joaquim Delgado, “deve-se carregar o carro à noite porque a energia é muito mais barata e não carregar, por exemplo, para viagens mais longas em carregadores ultrarrápidos que, neste momento, são caríssimos, têm uma eficiência energética relativamente reduzida e aí, quer em termos económicos, quer em termos ambientais, o carro começa a compensar menos”, justificou.

Mas algo parece certo: “os carros elétricos cada vez custam menos e cada vez são mais ambientalmente sustentáveis”, rematou.