Neste episódio de “A comer é que a gente se entende”, exploramos…
A taróloga Micaela Souto Moura traz as previsões do Tarot, na semana…
Feriado à vista e ainda sem planos? Temos a sugestão perfeita! Situado…
por
Carlos Vieira
“Ainda não é o fim
nem o princípio do mundo.
Calma.
É apenas um pouco tarde.”
Luís António Pina, 1969.
ESTA GENTE
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
Faz renascer o meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
Pois a gente que tem
o rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta gente
ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo.
– Sophia de Mello Breyner Andresen (1967)
O PSD venceu as eleições, mas não com a maioria absoluta que ambicionou. Montenegro tanto pediu condições de estabilidade para governar sozinho, mas parece que nem mesmo toda a gente de direita compreendeu a história, mal contada a saca-rolhas e aos soluços, das avenças de grandes grupos económicos à empresa familiar Spinumviva, com sede na sala de jantar do Primeiro-Ministro, onde, certamente, para não ser acusado de violar a exclusividade de funções, não terá deixado a agenda com os contactos privilegiados.
Muitos eleitores de direita e do centro, pelos vistos, não querem estabilidade; pelo contrário, querem acabar com 50 anos de rotativismo entre PSD e PS e jogaram no escuro e no caos. O que será a “IV República” que o beato Ventura diz que proclamará recusando, desta vez, “ouvir Deus”?… Certamente não votaram para acabar com a corrupção que o Chega diz querer combater, porque então não se compreenderia que votassem num partido que em 50 deputados tinha 15 com problemas com a Justiça e as Finanças, conforme denúncia da revista Sábado: roubos de malas, de caixas de esmolas, de casas, pedofilia e prostituição de menores, violência doméstica, agressões a mulheres, a árbitros e até a colegas de partido, ofensas à honra, incitamento ao ódio, burla, falsas declarações em tribunal, dívidas ao fisco, destruição de carros e de correspondência alheia. E, segundo a CNN, 23 dos recém-eleitos deputados “já se cruzaram com a Justiça”. E outro, Ricardo Reis, um jovem assessor parlamentar, eleito por Setúbal, comentou assim a morte de Odair Moniz, baleado por um polícia que foi acusado de homicídio pelo Ministério Público: “Menos um criminoso… menos um eleitor do Bloco”.
Então, o que é que levou tantos eleitores a votar na extrema-direita? Terá sido mesmo um voto de protesto contra os vícios do rotativismo bipartidário e de “o estado a que isto chegou” na Saúde e na Habitação, p. ex.?…Ou, como sugerem algumas pessoas, será antes o levantar da cabeça dos salazaristas e reacionários escondidos no armário após o 25 de Abril?…
Não acredito que a maioria dos eleitores do Chega seja (neo)fascista como alguns dos seus líderes. Reaccionária, sim, sem dúvida, mas de uma forma mais instintiva do que reflectida, fruto da ignorância e dos preconceitos (racismo, xenofobia, homofobia, machismo e outros), o húmus do fascismo, que meio século de democracia não conseguiu erradicar da sociedade portuguesa e que o Chega manipula com mentiras e desinformação. E aqui temos de atribuir responsabilidades aos partidos que se foram alternando no governo do país. Ainda recentemente vimos o PSD de Montenegro e Moedas a contribuir para o aumento da xenofobia e do racismo com a forma indigna como trataram os imigrantes que ajudam a nossa economia e a sustentabilidade da Segurança Social, associando imigração e insegurança, à revelia dos dados da PSP e da PJ, numa cedência vergonhosa à extrema-direita. E até Pedro Nuno Santos foi atrás do andor ao apoiar o fim das “manifestações de interesse”, que só veio beneficiar as máfias que se aproveitam da falha do Estado em não regularizar atempadamente milhares de imigrantes que são necessários a todos os ramos da Economia. Pela “via verde” criada pelo governo ainda não entrou nenhum imigrante!, admitiu a AIMA há poucos dias.
Agora, tudo se precipita: Hugo Soares e Leitão Amaro já dizem que o “não é não” de Montenegro é só para a entrada do Chega no governo, mas que terão de negociar. O “não é não” deve valer tanto como o “nunca é nunca” que Ventura soltou em Março, numa entrevista em que acusou Montenegro de falta de ética e que por isso nunca se aliaria à AD. Marques Mendes apela a um entendimento entre PSD e PS, como única forma de garantir estabilidade, mas também diz que “o entendimento com o Chega é incontornável”.
No PS, já são muitos a pedir entendimentos com a AD: Assis, Seguro, José Luís Carneiro, Santos Silva (“…mesmo que o PS entregue a liderança da oposição ao Chega…) , Correia de Campos (“Se já era muito o que os unia, a partir do dia 18 passa a ser muito mais o que os não separa”!). Pedro Nuno, inseguro e isolado no terreno minado por Costa, deixou o centrista PS à mercê da ala mais direitista. De nada serviu o “voto útil” que tirou votos à esquerda e não impediu que o PS acabasse ultrapassado pela AD e pelo Chega.
A esquerda também foi derrotada. O PCP perdeu o seu deputado mais bem preparado, António Filipe, mas, com mensagens mais simples e generalistas, conseguiu resistir melhor do que o BE que ficou reduzido a Mariana Mortágua. Alguns amigos confessaram-me que desta vez não votaram no Bloco pensando que o “voto útil” no PS poderia impedir a subida tão acentuada do Chega, augurada nas sondagens. Houve transferência de votos do BE (e do PS) para o Livre, que defendeu uma nova “Geringonça”, apesar de Rui Tavares apoiar o rearmamento da Europa, ao lado da direita e do “extremo- centro”. Mas a campanha do BE também não ajudou: o foco do BE nas suas propostas para o trabalho por turnos, protegendo um milhão de trabalhadores, não sensibilizou a maioria; o “slogan” “taxar os ricos” carecia de uma explicação técnica que, tendo sido dada, não chegou a todo o eleitorado; num país onde quem tem carro e casa própria já se considera rico, seria melhor qualquer coisa como “Taxar os bilionários para subir pensões e salários”. Erros de “comunicação e imagem” que não explicam a dimensão da derrota. “O BE foi o partido mais prejudicado pelos votos válidos não convertidos em mandatos”: “75% dos votos no BE (mais de meio milhão) não elegeram deputados”. (Público, 21.05.25). Mas o Bloco continua a ser a única força de esquerda representada na Assembleia Municipal de Viseu, onde o Chega tem uma eleita que se tem distinguido pelas ausências (10 em 19 sessões, sem se fazer substituir, e sem apresentar uma única moção ou recomendação. Há que dar mais visibilidade ao óptimo trabalho da eleita do BE em prol de Viseu e da região.
A boa notícia é que 85% dos eleitores e quase 80% dos votantes não votou no Chega. Mas, o facto de a direita junta ter os ⅔ de deputados necessários para a revisão da Constituição de Abril (como o IL e o CH já ameaçaram), obriga a esquerda a unir-se entre si e com todos os democratas que defendem o Estado Social nela garantido: o Serviço Nacional de Saúde universal e tendencialmente gratuito, a Escola Pública, a Segurança Social (que a direita quer privatizar), a Habitação, as empresas estratégicas do Estado, os direitos humanos (incluindo os das mulheres e de todas as minorias, étnicas, nacionais, religiosas e de género), o direito à greve e os princípios fundamentais da Democracia, como a independência da Justiça e o pluralismo e independência dos órgãos de comunicação social. E a Paz! Sem abdicar do Socialismo, o único sistema alternativo ao capitalismo, selvagem por natureza e criador de desigualdades, fascismos, guerras e colapso ambiental.
por
Joaquim Alexandre Rodrigues
por
Ana Cláudia Oliveira
por
Cristofe Pedrinho
por
José Junqueiro
por
Joaquim Alexandre Rodrigues