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É terça-feira à tarde e bate as 15h00 no Rossio. A temperatura é de 21º e o céu está limpo. A praça central de Viseu é movimentada com famílias a passear, estudantes a cochichar e os mais velhos a aproveitar o sol que há muito não se fazia sentir. Viseu, detentora da alcunha “Cidade Jardim”, parece ecoar nesta tarde primaveril o conceito que todos cobiçam: qualidade de vida.
Mas do que trata este conceito? À partida quando se pensa no assunto, a qualidade de vida sente-se nos momentos como o dia em que a reportagem foi feita. O calor ameno a bater na pele, a tranquilidade de ver as pessoas a passar, os clichés de ouvir os pássaros a cantar… pensar nesta ideia de ter qualidade de vida, é de facto, um íman de conceções às sensações subjetivas.
Mas o que, afinal, sustenta esta sensação de bem-estar? O que faz uma cidade ser reconhecida por duas vezes como uma das mais bem avaliadas em qualidade de vida? A resposta a esta pergunta não se limita, certamente, ao charme do Rossio ou ao calor que aquece a pele fria refém dos passados meses de Inverno.
“Não há uma forma objetiva para se medir a qualidade de vida nas cidades”, afirma Alfredo Simões, professor de economia.
O conceito de bem-estar, no caso, não se limita apenas ao prazer sensorial, mas também pelo “funcionamento da cidade, a sua organização, ordenamento, o bom funcionamento dos serviços (saúde, educação), os espaços públicos cuidados (limpeza), os lugares de recreio (espaços verdes), tudo isto pode estar implícito nas respostas das pessoas quando valorizam o que sentem ser a qualidade de vida na cidade”, esclarece o especialista.
E, para isso, há indicadores que são instrumentos a nível nacional, como o Índice de Bem-Estar do Instituto Nacional de Estatística (INE) que abarca todos estes fatores numa tentativa de medir o que, de fato, é qualidade de vida.
Mas por onde começar para entender onde há qualidade de vida nas cidades? Se os indicadores servem de uma espécie de bússola, convém perceber de perto os muros que sustentam este perseguido bem-estar urbano. Um dos mais citados, tanto nos inquéritos da DECO como nas conversas de café, é a segurança. Viver tranquilo, sem receios ao regressar a casa à noite ou deixar os filhos brincar no parque, continua a ser um desejo universal.
Quais são as tipologias de crimes no distrito de Viseu?
Do calor ameno do Rossio, segue-se até ao Parque Aquilino Ribeiro. Enquanto se deambula pelo jardim central da cidade, as crianças brincam, os adultos convivem e os mais velhos conversam nos bancos de madeira. Há tranquilidade aqui.
Segundo os dados dos Relatórios Anuais de Segurança Interna (RASI), Viseu é apresentado relativamente estável em termos de crimes. Em 2024, os dados indicam que houve uma diminuição relativamemte a 2023, registando-se 2 671 ocorrências. Tendo em conta os quase 102 mil habitantes, isto representa pelo menos 2,6 crimes por cada 100 habitantes em 2024.
Este é o cenário no concelho de Viseu, mas pode-se tambvém ver os indicadores no distrito. O que interessa medir aqui não são só os números absolutos, mas o significado deles. Em 2024, os três crimes mais reportados na região foram: a condução sob o efeito de álcool (916 casos), violência doméstica (813) e ofensas à integridade física voluntária simples (690). Estes comportamentos de risco, especialmente em contextos rodoviários e familiares, já dominavam as estatísticas em 2019, ainda que em menor número. A tendência parece, pois, persistente.
E a nível des distrito do interior de Portugal similares a Viseu? Qual é o contexto?
Distrito | Ocorrências em 2019 | Ocorrências em 2024 | População residente no distrito 2023 | Taxa de crimes por 100 hab. (2024) | Crimes mais comuns em 2019 | Crimes mais comunsem 2024 |
Viseu | 8 201 | 8 630 | 355 309 | 2,43 | Álcool (614), Violência doméstica (799), Ofensas (674) | Álcool (916), Violência doméstica (813), Ofensas (690) |
Évora | 3 841 | 4 771 | 153 475 | 3,11 | Álcool (189), Ofensas (376), Violência doméstica (312) | Álcool (389), Ofensas (365), Violência doméstica (332) |
Guarda | 3 899 | 4 264 | 141 995 | 3 | Álcool (381), Violência doméstica (341) | Álcool (505), Violência doméstica (427) |
Apesar de Viseu registar mais ocorrências absolutas, os números dizem nos que na taxa per capita, este tipo de crimes estão, de facto, abaixo da Guarda e próxima da de Évora. Esta estabilidade mostra-se aliada a uma criminalidade, sobretudo, expontânea e não a qualquer tipo de redes organizadas. Ainda assim, há claramente sinais de um aumento considerável de casos de condução sob o efeito de álcool, que cresceram de 674 em 2019 para 916 em 2024.
Aprender e viver em Viseu
Ao sair do jardim Aquilino Ribeiro, e enquanto se espera que os semáforos da Avenida Infante D. Henrique se decidam adeixar passar, a campainha da escola à frente da passadeira toca.
Viseu tem escolas secundárias como a Alves Martins, a Viriato e a Escola Secundária Emídio Navarro. A cidade tem ainda três institutos de ensino superior, um público – o Instituto Politécnico de Viseu – e dois privados: Instituto Piaget e a Universidade Católica Portuguesa.
Em relação aos níveis de escolarização, os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE, 2023), dizem nos que a taxa de conclusão do ensino secundário no concelho de Viseu é de 91,6%, um valor superior à média nacional (90,2%). Desta forma, o município Viseu está apenas ligeiramente abaixo da Guarda (95%) e aproxima-se de cidades como Évora (92,2%).
Ainda segundo o INE, o número de alunos inscritos no ensino superior em Viseu manteve-se relativamente estável nos últimos anos, passando de 5 671 alunos em 2019/2020 para 5 953 alunos em 2023/2024.
A cidade também tem sido procurada por estudantes, não só por motivos académicos, como também pela qualidade de vida que o local lhes possa dar.
Ariciana Lopes, estudante de mestrado em Gestão Turística na Escola Superior de Tecnologia e Gestão, que se mudou de Cabo Verde para Viseu, explica: “Eu queria uma cidade tranquila e pequena em que fosse fácil deslocar-me e que a escola também fosse um exemplo. Fiz essa pesquisa. Juntei o útil ao agradável. Aqui é uma cidade bastante tranquila, tem muito verde, e estar num ambiente onde tenho fácil acesso à natureza é bastante importante para mim.”
Os 90 segundos à espera no semáforo foram uma pausa obrigatória para pensar. Se seguir-mos em frente, podemos chegar à zona universitária de Jugueiros, cheia de vida e juventude. Este tempo de paragem estipulado para os peões levou a outro questionamento: que papel tem a cultura no dia a dia de Viseu? Quais são os gastos feitos pelas entidades neste território?
A Câmara Municipal de Viseu gastou cerca de 4,24 milhões de euros em atividades culturais e desportivas em 2023, de acordo com o INE. Deste montante, 1,94 milhões de euros foram para as artes do espetáculo e 771 mil euros para o património. Contas feitas, o gasto em atividades culturais e criativas por habitante no município de Viseu fica em 41,6 euros. Este valor é inferior à média nacional que se fixa nos 64,4 euros por habitante e a Évora (65,9 euros por habitante) e Guarda (65,2 euros por habitante).
De volta ao Rossio, é possível ver nas estruturas mupi da cidade que há um empenho em reafirmar o assunto que daqui se fala: “Viseu Cidade Feliz”, lê-se. Esta campanha de promoção espalhada pela cidade inclui slogans como “Sorri, estás em Viseu” e “Sou feliz em Viseu” com o objetivo de posicionar o concelho “como destino feliz no interior do país”, como se pode ler na página oficial da Câmara Municipal de Viseu.
“É a melhor cidade do país. De facto, esta é uma cidade maravilhosa em termos de limpeza, muito ligada à cultura, ao desporto. Inclusive foi até considerada, no ano passado, a Capital Europeia do Desporto”, afirma José Figueiredo, um viseense de 78 anos.
O valor das curtas distâncias
O relógio avança sem que se lhe peça e já são quase 17h00. Horas, para muitos, apanharem tarnsportes para outros destinos.
Mesmo sem comboio desde 1990, Viseu tem sabido reinventar-se. Em 2020, a cidade iniciou a renovação do seu Centro de Operações de Mobilidade (COMV), um projeto que culminou com a inauguração do novo terminal rodoviário em 2024, após um investimento de cinco milhões de euros.
Os pequenos autocarros amarelos do sistema de MUV (Mobilidade Urbana de Viseu) passam de lá para cá. Mas de facto, Viseu é uma cidade de percursos curtos, onde “tudo fica a dois passos”, como dizem muitos dos seus habitantes. Para o professor Alfredo Simões, este é um dos seus maiores trunfos: “É bem planeada. As pessoas conseguem deslocar-se com facilidade e aceder a serviços”.
Talita Urdiales, comerciante brasileira em Viseu, também comunga da mesma ideia: “Aqui encontro tudo o que preciso. A minha filha vai a pé para a escola, é tudo muito perto. Tem a tranquilidade do interior com estrutura de cidade grande”, conta.
Mas nem todos partilham da mesma experiência. Ariciana Lopes, por erxemplo, lembra que vive agora mais perto da escola onde studa, mas, na altura, lembra-se das dificuldades que teve com os transportes públicos em Viseu. “Acho os transportes públicos péssimos, sempre tive dificuldade em entender o próprio site e os horários. Até a questão do tempo é muito limitado para apanhar os autocarros. O ano passado vivia mais longe da escola e tinha que optar por ubers e táxis.”
Quando o dinheiro não chega: trabalhar e viver em Viseu
Já se passaram algumas horas desde que começou esta caminhada pela cidade. Com o sol ainda a aquecer os telhados antigos, sigue-se pela Rua Direita, um dos sítios mais icónicos da urbe. A rua estreita encontra-se calma. Algumas lojas estão fechadas. Outras resistem com montras simples e cartazes de saldos amarelecidos pelo tempo.
É aqui que se encontra Maria, de 72 anos, dona de uma loja na Rua Direita há décadas. Tem mãos calejadas de uma vida,mas com uma lucidez que não se deixa intimidar pelo romantismo da nostalgia.
“Ter um negócio aqui é fácil, agora ser lucrativo é que não. Antigamente, Viseu era uma cidade bastante rica e não havia estas grandes superfícies que temos hoje”, lamenta a comerciante.
Fala de um centro histórico outrora mais movimentado e detentor de uma energia diferente da que é agora. “A Rua Direita era cheia de vida. Os nossos emigrantes em julho e agosto eram a nossa economia. Agora vêm com dificuldades, já não compram como antes”, reforça o lamento.
A conversa com Maria faz pensar numa realidade que os números confirmam. Segundo os dados da Pordata de 2023, o salário médio bruto em Viseu é de 1.255 euros, muito abaixo da média nacional (1.460 euros) e também inferior a cidades como Évora (1.369 euros) ou Guarda (1.330 euros).
Também em Viseu, o rendimento bruto declarado por habitante em 2022 foi de 10.954 euros, um valor que fica abaixo,outra vez, da média nacional (11 122 euros) e de Évora (12 642 euros), sendo semelhante ao da Guarda (10 969 euros), de acordo com os indicadores do rendimento bruto declarado no IRS por município em 2022 e analisados pelo INE.
O preço de um teto
Sai-se da Rua Direita e segue-se em direção à antiga Sé de Viseu. Aqui, o som dos carros mistura-se com os sonsdas obras. Há prédios em construção e é fácil perceber porquê. O valor médio do arrendamento em Viseu subiu dos 4,97 euros em 2020 para os 5,72 euros em 2024. Ainda está abaixo da média nacional (7,97 euros), mas já supera cidades como a Guarda(4,17 euros). No entanto, os dados mostram que o número de contratos de arrendamento de alojamentos familiares aumentou no concelho de Viseu, passando dos 1.060 em 2020 para os 1.391 contratos em 2024.
Ainda assim, a procura cresce e a oferta não acompanha. Pedro Ferreira, 27 anos, natural de Viseu, mas emigrante na Suíça, confirma esta tendência durante uma visita à cidade. “Há 10 anos era muito diferente. As casas estão caras e arranjar trabalho não está fácil”, diz.
Entre queixas e cuidados: a saúde em Viseu
Volta-se ao Rossio e o dia está quase a terminar. Sentados ao lado de duas senhoras mais idosas, esem querer bisbilhotar, oouve-se o tema saúde.
Pois bem, segundo o Portal da Transparência do SNS, em março de 2025, havia 8.365 pessoas sem médico de família na região de Viseu Dão-Lafões. As queixas acumulam-se com 1.113 reclamações em 2024, segundo a Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Mas também há reconhecimento positivo: 221 elogios e sugestões registadas.
Talita Urdiales, a comerciante brasileira que nos tem acompanhado nesta viagem, deixa uma curiosidade. “No Brasil, a cidade de Viseu é muito conhecida. As pessoas querem vir para cá, porque acham que aqui há qualidade de vida”. Mas quando teve de apontar um problema, a saúde foi um deles. “O atendimento é muito demorado e acho que o ssitema de saúde em Viseu não está preparado para a quantidade de pessoas que cá estão”, revela.
Uma cidade que envelhece, mas não para
Já batem quase as 18h00. As ruas estão mais calmas enquanto se faz o trajeto até ao Centro de Mobilidade. Os dados podem deixaruma pista do porquê desta “calmaria”. Segundo o INE (2023), o município de Viseu tem um índice de envelhecimento de 191,3, ou seja, há quase dois idosos por cada jovem. Este valor põe o município acima da média nacional (188,1), sendo mais elevado que o de Évora (184,1), mas ainda distante da Guarda que regista um índice muito mais alto: 241,6.
“Temos dois velhotes para uma criança”, explica o professor Alfredo Simões. “As perspetivas de criação de riqueza por esta via são mais frágeis”, aponta.
Mas, apesar do envelhecimento, Viseu está a crescer. Em 2021, a cidade tinha 100.237 habitantes e, em 2023, este número subiu para 101.977 habitantes, o que significa que mais de 1.700 pessoas chegaram à cidade em dois anos.
Este crescimento deve-se também ao antídoto de um nível de envelhecimento alto. Segundo o INE, em 2021 havia 10.563 jovens dos 15 aos 24 anos em Viseu e em 2023 este número aumentou para os 10.703 jovens. Embora o número de pessoas com 65 anos ou mais tenha também subido (de 23.881 em 2021 para 24.975 em 2023), a quantidade de jovens na cidade continua elevada.
Uma das políticas do município envolve, precisamente, os seniores. Segundo o site oficial da Câmara Municipal de Viseu, o Programa de Apoio ao Idoso acompanha esta faixa etária para um “envelhecimento saudável” com iniciativas que vão desde a educação digital até às atividades culturais.
Afinal é aqui que mora a qualidade de vida?
“Vou-me embora, vou partir”, já diziam os Manuéis e Marias desta expressão popular. São 18h05 e a carreira que nos leva até casa já está de partida. Passou-se uma tarde na cidade que dizem ter mais qualidade. Não se sabe se foi por ter apenas se ter passeado por ela, mas parece que a qualidade de vida ainda mora cá. Ainda se sente nos rostos calmos, no tempo que corre mais devagar, nos jardins bem tratados e nos cumprimentos que se trocam sem pressa.
Viseu continua a ser um bom lugar para viver, mas a pergunta, sussurrada como o motor do autocarro em movimento, é se vai continuar a ser.
*Em estágio