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Maria Rueff dá vida às palavras dos escritores Luísa Costa Gomes, Manuel Monteiro, Filipe Homem Fonseca e Afonso Cruz, de segunda a sexta, na TSF, na rubrica de humor “Assim se faz Portugal”. A caminho do trabalho, tive a oportunidade de ouvir a emissão 117, “Quanto vale um gatafunho” (texto de Afonso Cruz). Rueff começa por dissertar sobre a cultura, em todas áreas, que “não é o pelouro de um artista, mas de todos sem qualquer exceção.” Não posso estar mais de acordo, mais ainda com este reforço: “qualquer profissional será melhor profissional, conforme a sua bagagem cultural.” Dá-nos a conhecer uma história, sem a certeza quanto à sua veracidade. Picasso costumava desenhar nas paredes das casas que arrendava, como se de enormes telas se tratasse. Um dos seus senhorios não terá apreciado a arte mural do autor do famoso Guernica. Não sendo capaz de perceber o que tinha à frente dos olhos, exigiu ao pintor 50 francos para pagar a tinta necessária para restabelecer a brancura original.
Recordo uma expressão do amigo e pintor viseense Pedro Albuquerque: “A ignorância é atrevida”. Esta história narrada com humor, pela grande Rueff, fez-me lembrar um momento inaudito exatamente com o Pedro. Convidei-o para um café e dois dedos de conversa na Pastelaria Lobo, na Rua Alexandre Herculano, que, entretanto, tinha sido alvo de uma intervenção de remodelação (arquitetura e decoração) e de um “upgrade” do nome, passando a ser a Wolf. Um nome em inglês fica sempre bem e contribui para melhorar o sabor da doçaria regional. Comer um Viriato na Lobo não tem a mesma pinta que comer um Viriato, na terra de Viriato, na Wolf. “Chique a valer”, como diria Dâmaso Salcede, o novo-rico do romance de Eça Queiroz “Os Maias”! Voltemos ao local do “crime” cultural e patrimonial, à Wolf. O Pedro chegou, sentou-se, olhou atónito para o fundo da sala, colocou os óculos, tirou os óculos, colocou-os novamente, voltou a retirá-los… Como se tivesse uma mola na cadeira, levantou-se, dirigiu-se, apressadamente, para o fundo sala, observou, constatou e atirou: “isto é um crime, estamos na presença de um absurdo, a ignorância é atrevida. Esta malta é criminosa.” Voltou à mesa, perguntou “já viste o que está naquela parede?” e, sem dar tempo para que pudesse responder, atirou: “é uma obra do Mário Silva, feita, por encomenda, com vidro da Marinha Grande, recordo- -me muito bem de terem sido compradas duas peças e colocadas nesta pastelaria, na antiga Lobo, sob o balcão, funcionado com iluminação que tornava aquelas peças únicas.”
Entretanto, ficámos a saber que um dos painéis teria sido partido em “mil pedaços”, durante as obras de remodelação, e que foi necessário impor, a quem coordenou os trabalhos, que um dos painéis fosse salvaguardado e colocado na nova Wolf. Yes! Fine! Mal aplicado, sem luz projetada, não cumpre a sua função e perde muito qualidade intrínseca, tornando-se uma obra sem vida, sem cor, talvez fruto da falta de amor e de pudor do labor de um decorador ou de um arquiteto que não merecerá um louvor. Não sou um saudosista. Tenho consciência de que os negócios têm que ser revitalizados e modernizados. De um modo geral, creio que o espaço está agradável e cumpre a sua função. O mesmo não posso dizer de um outro espaço icónico de Viseu, a pastelaria e salão de chá: O Horta (fundada em 1873). Recuso-me a entrar naquele espaço que, depois da reabertura, teve várias vidas e, mais recentemente, se transformou numa gelataria igual a outras existentes na cidade e a uma infinidade espalhada pelo mundo. A escultura de Aquilino Ribeiro, representado a escrever na sua secretária, merece melhor inspiração.
Consciente do quão difícil é combinar clássico com moderno, é possível fazer bons trabalhos, preservando memórias, história, arte e cultura. Relembro a frase de Afonso Cruz, narrada por Maria Rueff: “qualquer profissional será melhor profissional, conforme a sua bagagem cultural.”
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