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Valeriano Madureiro tem 67 anos. É um dos dois engraxadores de sapatos que ainda tratam do ofício na cidade de Viseu.
No Rossio existem duas barracas dedicadas ao engraxamento de sapatos. Há dois anos, Valeriano Madureiro arrendou uma das barracas e retomou uma profissão que é muito apreciada, mas pouco valorizada.
Exatamente há 58 anos, no mesmo local, o senhor Valeriano, que é hoje um homem, era somente um garoto de 9 anos. Saía de casa de manhã e ia para a escola. À primeira oportunidade dirigia-se para o Rossio para engraxar sapatos.
Nenhum familiar era engraxador. Tão novo e por iniciativa própria fez-se à vida independentemente da resistência dos seus pais à decisão. Valeriano conta que a mãe não via necessidade no exercício da profissão, já o seu pai era mais rígido. “O meu pai sempre que sabia que eu vinha para aqui [Rossio] batia-me”.
A realidade que se vivia naqueles tempos era completamente diferente. Não só o Rossio está, agora, totalmente irreconhecível aos olhos de quem viveu naquela época, como a procura deste ofício está a ficar perdida no tempo.
Valeriano engraxou sapatos no Café Rossio, onde hoje em dia é o Banco de Portugal. Naquela altura, a zona também era movimentada por taxistas e havia grande afluência de pessoas no local. Conta que em Viseu existiam pelo menos 20 a 30 engraxadores espalhados pela cidade, sendo que cinco deles trabalhavam no Rossio.
Engraxar os sapatos naquela altura custava 15 tostões. Quem era dono de uma cadeira destinada ao engraxamento do sapato, empregava quem quisesse trabalhar. Junto à cadeira estava uma caixa onde eram colocados 10 tostões para o “patrão” e os restantes 5 tostões eram para o trabalhador. “Ganhava-se naquela altura 3 escudos, 4 escudos, o que naquele tempo era muito dinheiro”, lembra.
Os domingos eram os dias mais atarefados do ofício. Ao contrário do que se assiste hoje em dia, os cinco engraxadores do Rossio tinham clientes a fazer fila ao mesmo tempo para polirem os seus sapatos. “Faziam-se filas, mas filas grandes… porque isto antigamente o cliente é que esperava pelo engraxador”, salienta.
Com 3 a 4 escudos no bolso, o que fazia um menino de 9 anos com o dinheiro? Segundo o polidor de sapatos, “era um pezinho de meia para gozar aos fim-de-semana.”
O garoto da altura passava os fim-de-semana e as segundas-feiras, consideradas o dia do engraxador, a jogar à bola no Fontelo. Depois disso, seguia-se o ritual, uma ida ao café com os amigos. Na hora de ir embora juntavam todos o dinheiro ganho durante a semana para pagar a conta. “Íamos jogar a bola primeiro e ao fim íamos para o café beber e comer… era muito bonito, e eu fugia da escola precisamente por isso”.
À medida que os anos foram passando, Valeriano dedicou-se a outras artes. Deixou as cadeiras de engraxar para trás e empregou-se noutras profissões. Aos 65 anos retorna ao Rossio, desta vez numa barraca para dar continuidade ao legado que um dia deixou para trás. Quando descobriu que a barraca estava disponível decidiu arrendá-la. O polidor afirma que trabalhou durante a vida inteira e que agora não vai fazer certos esforços porque não tem saúde para isso.
Hoje em dia engraxar os sapatos custa 2 euros. As instalações estão mais desenvolvidas, a barraca substitui a cadeira, mas para mal dos engraxadores os ténis substituíram os sapatos. Os clientes são escassos, em média, numa semana Valeriano engraxa dois a três pares de calçado, mas se for uma semana boa atende até cinco pessoas.
Antigamente, “os clientes esperavam uns pelos outros, não é como agora que estamos aqui todo o dia e não fazemos nada. Agora usa tudo ténis até as pessoas de idade. Só aparece de vez em quando uma pessoa mais antiga com sapatos para engraxar”.
Quem aprecia e demonstra curiosidade pela profissão são os turistas. O engraxador conta que as pessoas que visitam a barraca “ficam admiradas por verem aquilo ali, que já não há em muitas cidades.” Os turistas param na sua barraca para filmar e tirar fotografias e mesmo de sapatilhas pedem para simular o engraxamento do sapato.
Hoje em dia, Valeriano também lida com a resistência dos filhos por servir-se da profissão, mas nada o faz abandonar a barraca. O engraxador está de mente feita. “Comecei nisto, haverei de acabar nisto”, afirma de forma determinada.
Mais do que engraxar os sapatos, gosta de passar o seu tempo no Rossio a conviver com os amigos. De vez em quando brinca com os clientes quando recebe alguém e o chama de engraxador. Valeriano responde: “agora já não há engraxadores é polidor de sapatos”.
E é entre sorrisos ou com conversas mais sérias que o engraxador, ou melhor, polidor de sapatos, ocupa os seus dias. De vez em quando por lá passa um cliente antigo e são relembrados os tempos de um ofício que se está a perder no tempo.