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Erguido no alto da cidade, o Castelo de Lamego é mais do que uma construção militar medieval. Classificado como Monumento Nacional a 16 de junho de 1910, o castelo é testemunho de ocupações ancestrais, de batalhas que moldaram o território português e de uma cidade que se foi adaptando aos tempos. A par do Castelo de Penedono, são as únicas edificações do género atualmente preservadas no distrito de Viseu – razão suficiente para uma visita à cidade entre esta sexta-feira, dia 13 e domingo, dia 15, altura em que decorre a Feira Medieval de Lamego.
A configuração atual do castelo data do século XII, mas a ocupação do local é muito anterior, como contou ao Jornal do Centro a antiga professora Manuela Vaquero, natural de Lamego e conhecedora da história local, com uma ligação muito especial ao centro histórico da cidade. A própria nasceu numa casa na Rua de Almacave, na década de 1950, e lembrou o Jornal do Centro do tempo em que, ainda adolescente, começou a interessar-se pela história de Lamego: o amor pela terra onde nasceu deve-o ao pai, Albano Vaquero, que incutiu na filha o gosto em contar a história da cidade.
A professora começou por explicar que no local do ‘atual’ castelo “já havia um castro, como nestas redondezas havia vários”. Por aqui passaram vários povos, como apontou a especialista na história da cidade do Douro, desde túrdulos a iberos, lusitanos, romanos, suevos, visigodos e, por fim, os mouros. “O castelo tem uma história muito mais antiga do que aquilo que se vê hoje.”
A tomada definitiva do espaço pelos cristãos ocorreu a 29 de novembro de 1057. Fernando Magno, rei de Leão, liderou o cerco e, segundo algumas lendas, terá inclusive contado com o apoio de Rodrigo Díaz de Vivar, mais conhecido como El Cid Campeador. De acordo com a tradição, a conquista deu-se através de um cerco intenso, em que os atacantes lançavam estope embebido em materiais incendiários, forçando os mouros a recuar.
A partir daí, Lamego integrou-se de forma mais estável na malha do reino cristão, desempenhando um papel relevante durante a Idade Média. “Era um ponto obrigatório de passagem para o comércio entre Leão, Castela e o litoral”, notou a professora. “A cidade ganhou importância política e económica, com feiras semanais e anuais e uma malha urbana cada vez mais organizada”.
Dentro das muralhas, que datam datam do século XIII, o castelo estruturava-se com arruamentos definidos, casas e duas portas principais: a Porta dos Figos, também já chamada de Porta da Vila ou do Aguião, voltada para a Igreja de Almacave, e a Porta do Sol, virada a sul. O bairro do castelo, onde hoje restam poucas habitações permanentes, era, em tempos, o coração da cidade. “Era praticamente todo habitado, superpovoado até. Em cada casinha viviam duas ou três famílias”, explicou Manuela Vaquero.
A torre de menagem, de acordo com o município, tem “cerca de vinte metros de altura, é de planta quadrangular e tem nas suas faces frestas de iluminação, algumas alteradas no século XVI para serem transformadas em janelas, por ordem do último conde de Marialva, D. Francisco Coutinho, talvez com o intuito de dar à torre uma função habitacional”. Além disso, o castelo possui “praça de armas em forma de hexágono irregular, cuja muralha, com cerca de noventa metros de perímetro, é dotada de adarve, acessível pelo lado norte por um lanço de escadas”.
Foi apenas no ano de 1824 que se deu autorização para a construção de casas sobre a muralha. Com efeito, em 1834, um cidadão de Lamego obteve licença para demolir um torreão que estava inserido na sua casa. Um século mais tarde, entre os anos de 1939 e 1940, o Castelo de Lamego foi alvo de vários restauros, no âmbito da celebração dos 800 anos da fundação de Portugal. Durante os restauros, as sineiras e os sinos que existiam no alto da torre foram retiradas para que fossem acrescentadas as ameias.
Uma das estruturas mais notáveis do Castelo de Lamego é a cisterna, considerada uma das mais importantes do país e construída já no século XIII. Adaptada de uma construção da ocupação muçulmana, é hoje um dos principais pontos de interesse da visita ao castelo. “Foi toda remodelada e é um centro grande de atração turística”, afirmou também a professora.
O núcleo arqueológico, o antigo torreão onde funcionou a câmara municipal e outras intervenções de reabilitação contribuíram igualmente para o dinamismo do espaço, sobretudo em épocas festivas como a Feira Medieval.
Apesar dos esforços de conservação, subsiste um certo desfasamento entre o cuidado patrimonial e a vivência quotidiana, com cada vez menos pessoas a escolherem a zona histórica para residir. “Falta-lhe vida”, comenta Manuela Vaquero. “Vejo turistas, mas poucos habitantes. Muitas casas foram transformadas em alojamento local.” Embora longe do litoral, Lamego é, de acordo com a professora, um reflexo das mudanças que afetam muitos centros históricos no país através de fenómenos como a gentrificação.
Sobre a Feira Medieval, a professora assumiu que, apesar do papel positivo da festividade na preservação do interesse pela história medieval da cidade, esta deve ser realizada tendo o castelo como centro. “Eu sei que o próprio castelo extravasou para fora das muralhas na Idade Média e que na Praça do Comércio foi o local onde se começaram a fazer as feiras, porque já não se cabia dentro das muralhas”, afirmou Manuela Vaquero. “Na minha perspetiva, a feira deveria desenrolar-se dentro dos muros do castelo, dentro das muralhas do castelo. Isso é que lhe dava uma verdadeira vida”.
“É um espaço muito cuidado, mas falta-lhe efetivamente vida, que acho que a feira medieval e não só lhe poderiam dar. Não quer dizer que também não pudesse vir para a praça do comércio, mas o próprio comércio, as próprias barraquinhas da feira medieval deveriam estar situadas dentro das muralhas do castelo”, concluiu a professora.
A lenda da princesa Ardinga
Entre os muitos ecos do passado que ainda se escutam entre as muralhas, há uma lenda que perdura no imaginário lamacense: a da princesa moura Ardinga. Filha do emir mouro Alvoraçães – cujo nome sobrevive hoje num bairro da cidade – apaixonou-se por um cavaleiro cristão, D. Tédo, de quem ouvira feitos contados.
Segundo a tradição, terá fugido do castelo com a sua aia, Tesdália, e procurado refúgio no Mosteiro de São Pedro das Águias, em Tabuaço, onde foi batizada. Ao saber da conversão da filha, o pai seguiu-lhe o rasto e, num gesto trágico, degolou-a junto a um rio que viria a chamar-se Rio Tédo. D. Tédo chegou tarde, mas mandou edificar nesse mesmo lugar o mosteiro, como tributo.
Diz-se que, em noites de lua cheia, a princesa ainda chora na cisterna do castelo. Uma história contada ao longo de gerações, que passou para Manuela Vaquero através do avô paterno. “Lembro-me de ter medo de subir ao jardim, que era um pequeno jardim, porque mete-se um quintal a meio e depois é a cisterna, e eu parece que sentia a Princesa Ardinga a chorar”, contou ainda.