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De “Je suis Charlie”v a “Je suis Karl”

 De "Je suis Charlie"v a "Je suis Karl"
12.12.21
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O título Je Suis Karl remeteu-me para o ataque ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, alvo de um ataque terrorista em 2015 que provocou 12 mortes e feriu, com gravidade, mais sete pessoas. Após este ataque, perpetuado por radicas islâmicos, em Paris, milhões de pessoas saíram para as ruas, a favor da liberdade de expressão, entoando a expressão Je Suis Charlie.

Decidi, sem quaisquer expectativas, ver, na Netflix, o filme Je Suis Karl, dirigido pelo cineasta alemão Christian Schwochow. Um ataque terrorista, em Berlim, mata quase toda a família da adolescente Maxi. Revoltada, com a incapacidade da polícia de encontrar os culpados, acaba por aproximar-se de Karl, o líder carismático de um grupo de extrema-direita que prega a deportação dos imigrantes e uma Europa branca. O filme mostra-nos uma nova direita radical – Re / Generação – com uma mensagem apelativa, mais distante dos tradicionais neonazis, mas igualmente radical, perigosa, letal, liderada pela carismática líder Odile Duval. Com mensagens fortes, alimentando-se do medo, recrutam, catequizam e politizam jovens, capazes das maiores barbaridades, como poderá ver na longa-metragem, rodada em Berlin, Praga e Paris.

Nem sempre a ficção e a realidade estão longe uma da outra. O novo partido de Éric Zemmour, em França, chama-se “RECONQUÊTE!” (RECONQUISTA). Por estes dias, o candidato presencial francês foi agredido em comício que acabou com espancamentos de militantes anti-racistas. O comício, que contou com mais de 12500 pessoas em êxtase, revelou um líder providencial, salvífico. O candidato deixou duas mensagens-chave:
“Quando ganhar, será iniciada a reconquista do mais belo país do mundo.”
“A imigração zero será um objetivo claro da nossa política.”
Zemmour, a exemplo de outros populistas, por exemplo Donald Trump ou André Ventura, alimenta o seu discurso numa dialética entre amigos e inimigos e repete ad nauseam os medos que atormentam os franceses: do empobrecimento, do declínio da potência francesa, da destruição da escola, da grande substituição com a islamização da França, a imigração em massa e a insegurança permanente.
De regresso à ficção, um dos meus autores preferidos, Michel Houellebecp, no livro “Submissão” (2015, Alfaguara), convida à reflexão sobre o convívio e o conflito entre culturas e religiões, ocidente e oriente. Às portas das eleições presidenciais, a França está dividida. O recém-criado partido da Fraternidade Muçulmana conquista cada vez mais simpatizantes, graças ao seu carismático líder, numa disputa com a ultraconservadora Frente Nacional. Somam-se tumultos, carros incendiados, agressões…

De regresso ao mundo real, a Europa assiste, num estado de quase sonambulismo, ao avanço das forças radicais que encontram terreno fértil para fazer germinar as suas ideias nas sucessivas vagas migratórias, nas crescentes desigualdades sociais, nas medidas de controlo da pandemia…
Os movimentos anti-vacinas e negacionista geram uma nova pandemia, a dos não vacinados. Vem este tópico a propósito do aproveitamento que os movimentos da extrema direita fazem do descontentamento de parte da população em relação às medidas de prevenção e contenção da pandemia. Elena Sevillano, correspondente do El País na Alemanha, relata: “Na Saxónia, o Estado alemão com menor taxa de vacinação e maior número de contágios da Alemanha, cresce a influência da extrema direita.” É possível que seja apenas uma coincidência, mas valerá a pena, caro leitor que decidiu não se vacinar, refletir sobre a sua opção. Durante muitos anos, sempre me foi incutida a ideia de que a minha liberdade termina quando coloca em causa a do outro e esta não se sobrepõe ao risco que poderá representar para a comunidade e para a saúde pública.

Lorenzo Damiano, líder de um movimento anti-vacinas, em Itália, esteve uma semana internado nos cuidados intensivos com covid-19. Este iluminado, que criticava as medidas sanitárias e comparava quem se opunha às vacinas a vítimas do Holocausto, depois do internamento, mudou de opinião e, agora, apela à vacinação. Não deixe para amanhã o que pode fazer hoje, por si, pela sua família, pelos seus amigos, pela comunidade, pela humanidade.
Respeito, mas não compreendo que um grupo de cidadãos possa chamar assassino e genocida ao Almirante Gouveia e Melo. Igualmente aterrador é ouvir um jovem lusodescendente, no final do comício do senhor Zemmour, em língua portuguesa, dizer ao microfone de um canal noticioso português que o apoia porque a emigração, especialmente dos muçulmanos tem que ser impedida.

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