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Ficar com os despojos

 Ficar com os despojos
03.09.22
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 Ficar com os despojos

Morreu Mikhail Sergeevitch Gorbatchov, o último czar soviético. Foi na passada terça-feira, 30 de Agosto. Tinha 91 anos.

Não é necessário entrar aqui em grandes detalhes sobre a acção política do homem que, de uma forma involuntária, pôs em movimento a última alteração estrutural do século XX. Isso está a ser feito, com maior ou menor profundidade, em todos os media mundiais. No campo democrático as hagiografias são mais que muitas, nas igrejas comunistas e neo-comunistas o pobre Mikhail é atirado para as profunduras do inferno.

Comecemos pelo princípio: o último secretário-geral do partido comunista da União Soviética, quando subiu ao poder em 1985, não queria derrubar o império, queria-o era perestroikar, isto é, reestruturar. Só que aquilo estava caduco, preso por arames. O pequeno abanão reformista de Gorbachov criou uma avalanche que, na segunda metade de 1989, fez cair todos os países satélites da União Soviética. A seguir, esta também se partiria com estrondo.

Por que razão é que o bloco comunista implodiu assim, desta forma tão rápida e pacífica? Em Janeiro de 2015, descrevi, num Olho de Gato, a resposta mais satisfatória que conheço a esta pergunta primordial. Como esse trabalho já está feito, é só trazê-lo de novo para aqui.

David M. Kotz e Fred Weir, em meados dos anos de 1990, fizeram entrevistas a centenas de altos responsáveis da ex-URSS, tudo gente do topo e que tinha ainda a memória bem fresca daqueles acontecimentos extraordinários. Aquele trabalho e respectivas conclusões foi publicado, em 1997, numa obra intitulada “Revolução de Cima: O Fim da União Soviética”.

A tese principal deste livro é simples de explicar: o fim da União Soviética não aconteceu por ter havido uma revolta dos de baixo contra os de cima. Se tivesse sido assim, ao novo regime teriam correspondido novos dirigentes, e não, como aconteceu, comunistas recauchutados.

Gorbatchov queria reformar a URSS, mas as elites soviéticas perceberam que eram elas que iam ficar com os despojos quando o regime desmoronasse e trataram do assunto. Os actuais oligarcas russos estavam próximos da cúpula soviética e conseguiram assegurar os favores do estado ou roubaram-no directamente.
Vladimir Putin, um ex-KGB, é só o vértice deste sistema cleptocrata e mafioso que tem, nos seus cromossomas, o autoritarismo anti-democrático das velhas elites soviéticas.

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