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Fragmentos de um Diário – 1 de Julho de 1975

 Fragmentos de um Diário - 1 de Julho de 1975
01.04.21
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Na véspera e no dia de São João os foguetes estoiraram e os bailes como brotaram, incendiando de lumes e alegria o silêncio da aldeia. Pelas faces corria o suor, nos gestos estampava-se uma fadiga feliz e o vinho regava-nos como bálsamo.
De tarde houve um pequeno baile no terraço do 29, assim é conhecido o dono de uma tasca. Música, moças, alegria e os mesmos foguetes de sempre. E a história começa…um longo olhar fixo, na esquina da loja do ti d’Alberto, um olhar e um sorriso; vários olhares e outros sorrisos; no recinto do baile, as primeiras palavras trocadas. Ela é uma moça aldeã, quase sem estudos, sobre o magro, os cabelos castanhos, cortados num estilo de rapaz, a roçarem os ombros, e uns olhos, essencialmente os olhos, profundos quando fixam, doces e meio chineses quando sorriem. Os olhos! Foram os olhos e aquele perfume de inocência, que me prenderam.
Esperava por ela ao cair da tarde, quando ela regressava dos campos à frente de uma junta de bois. Não sei porquê, mas a poesia dá-me para estes afetos singulares. É irresistível a tentação por jovens assim, sem escolaridade, sem vaidades, de uma pureza semelhante aos animais com quem convivem, às árvores e culturas no meio das quais passam o dia, quase tão naturais como as plantas, quase tão selvagens como as pedras do caminho e os riachos que serpenteiam a aldeia.
        Durante uma ausência de quinze dias dos meus pais em Lisboa, os nossos encontros decorreram sem problemas, só uma pequena oposição da família dela. Eram castos os nossos passeios pelos arredores da aldeia. Ainda tinha bem presente a Fátima para me prender a alguém. Mesmo do toque involuntário me culpabilizava. Mas gostava de estar com ela, escutava-a com prazer a falar dos problemas caseiros, das culturas e dos animais. Porém, com o regresso dos meus pais, a situação transformou-se. Uma severa repressão enovelou-me por completo. Oposição servida por uma equipa de espionagem sem par: a aldeia. A luta era assim: a aldeia denunciava-nos, e eu contra atacava, esboçando novos planos, outros lugares de encontro, num desdém superior pelas alcoviteiras de serviço. Mas estas venciam, sempre, sem alternativas. Até que capitulei. Os meus pais não acreditaram que na verdade nada se passava entre nós, a não ser uma certa emoção, um certo encanto, uma certa estranheza. Amizade é uma palavra que descreve bem o caso.

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