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Fragmentos de um Diário – 1 de Setembro de 1981

 Fragmentos de um Diário - 1 de Setembro de 1981
23.04.22
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  A falta que a Fátima me faz! Tanto ela me ensinou, ela, que não completara o liceu. Porque se, a nível teórico, eu era apologista de um modo de vida mais simples, mais autêntico e direto, na prática prendiam-se-me os movimentos e a espontaneidade num nó górdio de palavreado. Ela, sem teorizações, com o seu sentido prático, maduro e, no entanto, tão jovem, mostrou-me que não vale a pena adornar com palavras os múltiplos desejos que por dentro nos explodem, ou então inspecionar a sua moralidade, complicando as coisas, inventando falsos pudores, entrincheirando-nos no medo.
       Disse-me uma vez que os poetas caem muito num erro, que consiste em sonharem ideais e paraísos, em sofrerem com os males gerais da sociedade, mas de costas viradas para o sofrimento da sua vizinhança. É fácil chorar os explorados, difícil é compreender e aceitar as pessoas com quem convivemos.
       Eu era um menino complicado, puro, mas difícil, emaranhava as coisas simples vestindo-as de literatura. Impus-me essa romantização e poderia ter estragado tudo. Ela, sem teorias, com simplicidade, ajudou-me a descamar essa pele, a fazer essa limpeza interior de preconceitos. Ela como que possuía uma espécie de iluminação e via claro no que estava submerso, e com o seu olhar aprendi a olhar surpreendido a claridade das coisas, a sua nudez, descobrindo ângulos novos e perspetivas diferentes. Até na sexualidade ela sabia conjugar uma leveza de atitudes com um romantismo despido de palavras vãs e teorias de pacotilha.

5 Setembro de 1981

Ocorreu-me um projeto luminoso. Que estúpido não me ter lembrado disto de imediato, quando, há um ano, ao estar com a minha amiga emigrada na Suíça, ela me descreveu o seu encontro, na estância turística onde trabalha, com a Fátima. Porque tudo leva a crer que se tratava dela. Ora, a minha ideia é ir exatamente ao mesmo sítio na mesma altura do ano. Já escrevi à minha amiga que me informe de imediato caso a Fátima lá apareça e se me consegue alojamento.
A ansiedade domina-me por completo. Só penso nesta possibilidade. Parece-me uma ideia perfeita. Passo as horas a imaginar vários cenários do encontro. A surpresa dela, as primeiras palavras, o seu reconhecimento pela persistência do meu amor, a minha confissão de não saber viver sem ela, os planos do futuro.

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