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Fragmentos de um Diário: 12 Junho 1983 (continuação II)

 Fragmentos de um Diário: 12 Junho 1983 (continuação II)
26.11.22
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 Fragmentos de um Diário: 12 Junho 1983 (continuação II)

Da bagageira retirou umas mantas que estendeu sobre as ervas. Embrulhados numa delas, nus, fizemos amor sob a abóbada celeste incendiada de estrelas. Ela convidou-me a pensar na imensidão do mundo e na nossa pequenez. Eu pensei. Pediu-me o que concluíra eu dessa comparação. Perguntei-lhe que significado pretendia ela que eu formulasse. E ela disse claramente que deveríamos aprender o quão insignificantes somos face à grandeza da vida, mas aprender uma vez e pronto, não andar sempre a pensar no mesmo e agir em conformidade. Estava admirado. Perguntei-lhe onde aprendera aqueles ensinamentos. Ela respondeu, assim, textualmente: «meu amor, basta pensar». Observei-lhe que ela não aparenta aquela profundidade no dia a dia. Disse-me que não gosta de se expor em público com aquelas filosofias.

A sua tagarelice é uma forma de disfarçar o pensamento. Mas eu ainda não estava satisfeito com o esclarecimento. Sabendo que ela não gostava de ler, e como as ideias não nascem do nada…Não me deixou acabar. Disse-me que eram temas que o antigo professor de filosofia de vez em quando colocava a debate. E acrescentou que eu usara o verbo certo, não gostava de ler. Mas agora lê. Começou a ler. Perguntei-lhe o quê. Autores brasileiros. E não disse mais nada. Segredei-lhe ao ouvido que ela era muito especial. Ela, do mesmo jeito, pediu que eu então lhe dissesse que a amava. Respondi-lhe que a palavra amor era também especial e que a devíamos usar com cuidado. Mas senti muita pena de a não poder amar, por todo o meu ser estar comprometido afetivamente com outra mulher. Mas, ali, ao relento, depois das experiências do dia, senti que, de alguma maneira, também a amava. Não sei como. E fiquei até perturbado comigo mesmo.

Porque uma coisa era ir para a cama com outras mulheres e eu saber que isso não me comprometia a alma. Outra coisa foi o estremecimento que senti ao abraçar a jovem do castelo, antes de nos levantarmos para ir embora. E não foi por obrigação nem por mera simpatia que lhe disse que, de alguma forma, a amava. Aconchegou-se-me ao peito, talvez sorrisse, talvez chorasse, e disse que esperava há muito por esse começo. Depois de sacudirmos e arrumarmos as mantas, ficámos um pedaço a contemplar a noite. Foi um momento único, singular, poético, os dois abraçados, no silêncio do universo, conscientes da nossa finitude mas também daquele instante de grandeza. Fomos embora. Eu dormi em casa de uns tios dela.

 Fragmentos de um Diário: 12 Junho 1983 (continuação II)

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