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Numa dessa ocasiões, a Fátima, disse-me que começara a ficar menos recetiva à metafísica do infinito do Romantismo Alemão. Refletiu um pouco, depois disse que o que pretendia afirmar é que não se tratava de anular a beleza daquela filosofia, mas de resistir à atração do abismo que ela propicia. A visão trágica da vida, a ênfase dada ao mistério, o grito de desespero que ecoam nos poetas desse período contribuíram para uma aprendizagem de si mesma, ajudaram-na a entender melhor o sentido daquela sede de algo mais que eu tanto sugeria. Com aquela poesia aproximou-se das minhas ansiedades e da minha melancolia. Compreendeu que não nos devemos submeter à norma comum, aos gostos da maioria. E acrescentou, enquanto eu me calava num ato de silenciosa escuta, que preferia regressar à lição do heterónimo Alberto Caeiro, poeta do nosso início de namoro, ele que nos ensinara a atenção às coisas, à natureza, à sabedoria das sensações. E a Fátima pediu-me que reparasse que ali estávamos nós, nus, expostos à nudez da paisagem, a sentir o gozo daquela luz, a contemplar a largueza do horizonte e a viver o nosso amor. Foi a leitura dessa poesia que nos ensinou a estar, a ser. Ela fez-nos escarpar montanhas para nos desvelar outros patamares de beleza e de ser. Agora estamos mais livres. Podemos caminhar mais abertos ao vento que passa, mais atentos à riqueza do instante. Aprendemos a lição, agora já nos bastamos a nós próprios, descobrimos a infinitude no finito de cada coisa. Concluiu dizendo que devemos evitar a obsessão do desespero.
Calou-se, por fim, quase envergonhada de tanta filosofia. Levantou-se e desapareceu por momentos. Eu pensei no que ela dissera. Mais uma vez ela se adiantara a intuições que eu próprio sentira. E admirei-a.
Ela regressou com um livrinho, que mal iniciou a lê-lo, reconheci:
A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
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