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21 de Janeiro de 1983 (continuação)
Uma ideia eletrizou-me a mente: acabava de passar uma semana entregue quase exclusivamente ao trabalho, como se a vida se regulasse em função das aulas. E o resto? E até que ponto não tem sido sempre assim, desde a escola primária? As outras dimensões são vividas no intervalo, no recreio, em curtos dias de férias, na amarga suspeita de falta de tempo para as aprofundarmos plenamente.
3 de Fevereiro de 1983
Ela, a jovem do castelo, está deitada na cama. Eu sentei-me à mesa, ouço música, escrevo. Às vezes, olho-a. Não sei por que a convidei, talvez porque sim, por nada de especial, como das outras vezes. É de uma aldeia próxima e estuda em Lisboa. Vem de fim de semana, às vezes. Só lhe peço que traga as calças cor de rosa. E ela vem, com naturalidade, no carro que o pai lhe empresta, e eu gosto deste seu jeito descomplicado de estar e de se entregar. E gosto de contemplar a sua nudez. Gosto, apesar de um certo sentimento de pesar. É o velho pecado da catequese a castigar-me as veleidades.
Eram dias de festa na vila: sensaboronas. Andámos por lá, no meio da gente, a observar as bandas de música e as roupas domingueiras. Aborrecidos, viemos para casa. Agora adormeceu no pico do calor da tarde. Olho-a. E sinto pudor por a ter convidado. O que ela pensa, não sei, também não o confessa. É gentil, bem disposta, gosta de se rir. De ler é que não gosta. Desafiei-a para uma leitura conjunta de um livrinho: “O Meu Pé de Laranja Lima” de José Mauro de Vasconcelos.
“O Meu Pé de Laranja Lima”, lemo-lo em poucas horas. Entretanto, ela foi-se comovendo com a história e era a primeira a pedir que continuássemos a leitura. Não sei se a converti ao gosto de ler, mas a nossa intimidade ganhou uma dimensão mais líquida, mais afetuosa, menos mecânica. Às vezes, há entre dois seres um mar imenso. Do tamanho da solidão ou do intervalo entre estrelas, em que a comunicação é uma caminhada no deserto. Acontece então algo, um pequeno nada, um sentimento, uma partilha imaterial, e tudo ou alguma coisa se altera, se aprofunda. Às vezes, a dor e a solidão são de tal ordem que nos custa chegar às palavras. Eu e ela não alcançámos a palavra, mas partilhamos momentos de alguma alegria.
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Clara Gomes - pediatra no Hospital CUF Viseu
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