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Fragmentos de um Diário – 22 Agosto de 1985 (continuação I)

 Fragmentos de um Diário - 22 Agosto de 1985 (continuação I)
11.11.23
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 Fragmentos de um Diário - 22 Agosto de 1985 (continuação I)

Numa outra ocasião, sentados cá fora, no caramanchão, ela disse que me preparasse para o embate do dia a dia do nosso relacionamento. Estranhei o aviso. Depois dos primeiros tempos, esclareceu, é plausível que a melancolia volte a atacar. Oculta, tímida, mas sempre vencedora. Nem o amor triunfa em definitivo. Disse-lhe que sabia disso, que é constitutiva da nossa condição o sentimento de vazio, de angústia, de melancolia. Não esperava resolver estas falhas tectónicas da alma com nenhum idealismo. Apenas desejo partilhar com ela esta solidão ontológica, não que a extinga. Somos seres muito estranhos, disse ela. Ou vogamos à superfície das coisas, ocultando a verdade de sermos seres para a morte, ou a aceitamos e logo emerge esta orfandade metafísica. Feridos, de qualquer maneira. Ou de mágoa ou de tédio.
Comentei que ela este ano estava um pouco dramática, séria de mais. Porquê, perguntei-lhe. Não respondeu logo. Afastou-se até um pouco, como para se levantar. O que acabou por fazer, acendendo um cigarro do maço que estava em cima de uma mesinha. Acompanhei-a na decisão, mas expectante. A explicação veio a seguir. Ao que parece, o hotel daqui a um ano irá fechar para remodelação. Em conversa com a patroa, ficara a saber que uma das opções dos trabalhadores passaria por aceitarem uma rescisão do contrato em troca de uma indemnização. Claro que ela pensou imediatamente nesta hipótese, dados os valores envolvidos. Se assim fosse, poderia antecipar o regresso a Portugal logo a seguir ao próximo verão. Reagi instintivamente, pegando-lhe ao colo e rodando sobre nós mesmos umas quantas voltas.
Disse-lhe que isso seria maravilhoso. Ela também partilha do mesmo entusiasmo, mas daí a origem das preocupações. A distância tem funcionado como factor de sedução. Mas depois seria o poço da realidade. A sedução teria que beber em outras fontes. E confessa o medo que por vezes a perturba, sobretudo em certas noites de insónia. O medo de que não sejamos capazes de manter o espírito do amor, a comunhão de ideais, a partilha de afetos. Mas eu refreei as suas dúvidas, expulsei os demónios da suspeita, não quis ouvir mais.
Disse-lhe que era impossível que um tão grande amor pudesse fracassar depois de tantas provas. Porque a nossa relação não era de ontem, ou sustentada de ilusões passageiras.

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