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Fragmentos de um Diário – 22 de agosto de 1981

 Fragmentos de um Diário - 22 de agosto de 1981
09.04.22
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 Fragmentos de um Diário - 22 de agosto de 1981

         O meu desejo era viver numa cidadezinha semelhante às que imagino da Áustria ou sul da Alemanha. Entre gente simpática, muita natureza, alguma vida cultural e sem o grande tráfego cosmopolita. Viseu, por exemplo. E usufruir de uma casa acolhedora, com livros, música, uma mulher amável e um jardim, sim, um belo jardim.
        Mas há algo mais ainda, e significativo, pois traduz o meu mais antigo desejo: uma casa no campo, entre vinhas e olivais, aconchegada numa doçura criativa.
        Claro que o movimento, a multidão, a pressa da vida citadina também por vezes me atraem. Sinto mesmo com frequência uma vontade louca de penetração nesse caleidoscópio do ruído. Mas, no fundo, é minha convicção de que tudo não passa de fogo-de-artifício.
         Sempre que me confronto com as incongruências do mundo renova-se-me a necessidade de solidão. Não sei se devido ao facto de quebrarem o equilíbrio do meu imaginário. Mas na verdade é com perplexidade que verifico que valores por mim tidos quase como sagrados são como fantoches de um mundo irreal, ou esqueletos a que se comeu a carne da realidade. E hesito sobre o fundamento ético das minhas atitudes. Não estarão os outros a agir de acordo com critérios mais próximos de uma verdade material, biológica, instintiva? Mas o esforço de um bom punhado de homens não tem sido o de se elevarem acima das leis naturais do mundo animal? Prefiro integrar esta minoria.

27 Agosto 1981

        Quando escrevo calma, paz, serenidade, não pretendo significar passividade, imobilidade, sedentarismo. Apenas oponho aqueles valores aos característicos da vida atual: agitação, superficialidade, dispersão. Não creio que estas últimas motivações tenham a ver com o que é verdadeiramente importante na vida. A rotina dispersa-me, rouba-me de mim próprio. Preciso estar mais atento. Saber estar em sociedade mas como se a alma estivesse longe, habitando na solidão do campo e da montanha.
        E tenho de escrever de novo poesia, sem ficar dependente de factores exteriores. Escrever como quem respira, ama e admira. Mas a alma vai perdendo asas, enferrujando. Há dias em que só respiro poesia, em que me dói a alma de tanta poesia. É o meu amor secreto. E que se não esgota nas palavras, mas se prende ao sentimento, a uma certa visão da vida.

 Fragmentos de um Diário - 22 de agosto de 1981

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