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Estou hospitalizado num quarto do hospital de Tondela devido a um princípio de pneumonia. Comecei por sentir um estado febril, dificuldade em fumar. Estava a passar tempo na esquina do café Victória em Tondela. Mas tive de ir para casa da minha tia. Em breve, um médico me diagnosticou o problema. Por fim, veio o internamento hospitalar.
Mas estou saturado de aqui estar. Tento escrever. Escrever um poema seria como o alizar da areia pela água do mar ou o sossego de um fim de tarde de estio. Preciso ordenar as minhas ideias, como que alinhá-las em compartimentos. Mas precisava de silêncio, e aqui neste quarto chegam ais, passos, sussurros e vozes, linhas entrecortadas de dor, facas aguçadas de desespero. Assim, não consigo integrar-me no relaxamento espiritual de mim mesmo. Por isso, espero que a noite se recolha nos beirais e os corpos se entreguem ao sono.
Sento-me, deito-me, viro-me, reviro-me, durmo, acordo, tudo num círculo metálico de rotina sem sentido. Aqui vive-se um pouco em função das horas das refeições e da visita do médico.
Que eu e a Fátima não tenhamos trocado endereços é uma daquelas falhas incompreensíveis. Mais uma vez, no verão passado, sob a pressão da despedida, nos esquecemos disso. Seria tão fácil escrevermos. Que estupidez esta falta. Escrever-lhe seria um bálsamo. Só ela compreenderia este vazio, este aborrecimento, esta busca da felicidade.
Penso nela, penso demoradamente nela. Imagino que precise eu mais dela do que ela de mim, bonita e interessante como é. Sei que não será qualquer um que a seduzirá. Disso tenho a certeza. É a única expressão de orgulho saber que lhe dei algo de diferente, que lhe transmiti outros valores, outros gostos, que a ajudei a alargar a visão da vida. Mas não sou o único. Como eu, de olhar metafísico e desejo de infinito, há mais. Duvido que se cruzem com ela. Mas também me ocorre que ela possa lentamente distanciar-se de mim, começar a perspetivar o nosso passado com ironia, e mudar.
Este verão não a posso visitar, dadas estas condições de saúde. E não tenho modo de a avisar. Que desespero. Escrever à minha tia de Lisboa seria em vão, por considerações de família. Preocupa-me a incerteza do meu horizonte, a futilidade destes dias, ansioso por morder a vida.
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Carolina Ramalho dos Santos
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