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8 de Julho de 1975 (continuação)
Do que mais gostávamos era de ir para os jardins, e percorríamos todos, embora tivéssemos uma predileção pelo da Gulbenkian. Uma vez conseguimos entrar, misturados com uma excursão de turistas espanhóis, no museu. Ela lembrava-se de lá ter ido numa visita de estudo, mas a admiração dela foi como se fosse a primeira vez. Demorava-se nas louças antigas, nas tapeçarias, agarrava-me pelo braço para que eu partilhasse pormenores, sentisse o que ela sentia. E eu olhava através dos olhos dela, para que as cores, os desenhos, as texturas entrassem nos dois da mesma maneira e com a mesma intensidade.
Depois dos nossos passeios pelos jardins de Lisboa, comíamos qualquer coisa numa tasca, geralmente uma sopa, e pouco mais. E de coração cheio da cor de Lisboa, e no olhar ainda o rasto do que tínhamos visto e admirado, regressávamos à pensão para um final de tarde de amor e sensualidade. Nunca nos cansámos um do outro.
Na última noite, fizemos uma extravagância. Comprámos uma garrafa de vinho, uns petiscos mais caritos e recolhemos mais cedo. A celebração tinha um gosto doce e amargo. Por um lado, estávamos juntos e felizes, por outro, era a despedida, mais uma. A certa altura, lembrei-lhe o que me dissera da outra vez sobre ter um filho meu, perguntando-lhe o que ela queria mesmo dizer. Sorriu. E demorou um pouco a adiantar algo mais. Depois disse-me que se o destino nos afastasse definitivamente, decerto nunca mais teria alguém que lhe escrevesse poemas no corpo, jamais conheceria alguém tão gentil como eu, e que teria muita sorte se porventura não lhe quisessem desenhar no corpo outro tipo de marcas, ainda tão habituais nos costumes portugueses. Se tivesse um filho meu, dedicar-se-ia à sua educação e a cultivar a memória da felicidade passada. Fiquei tão tocado, que ali mesmo lhe prometi que casaria com ela. Ela acarinhou-me, sorrindo, mas não disse nada. Depois o vinho como um rio subterrâneo subiu pelo nosso corpo num calor que se fez febre e a noite transformou-se num mar largo de desejos que porfiámos em satisfazer.
Na manhã seguinte, acompanhou-me à estação de Santa Apolónia. Jamais me esquecerei do nosso último olhar que se prolongou até nos diluirmos na distância. Um olhar cuja visão se tecia das emoções e memórias dos últimos dias. À medida que o comboio se afastava por entre o emaranhado das linhas foi em mim medrando o pressentimento de que a vida se assemelhava a uma tapeçaria tecida de fios trocados por um fado sarcástico.
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Joaquim Alexandre Rodrigues
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Eduardo Mendes, coordenador de Ortopedia no Hospital CUF Viseu
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Laura Isabel B. Nunes
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Sofia Moreira de Sousa