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Hoje faltei ao último tempo letivo. Estava farto, cansado. Gosto da minha profissão, mas muitas vezes desconfio das matérias que leciono. É difícil descobrir a importância de alguns temas. Talvez tenham sentido na formação universitária, não nesta iniciação filosófica do ensino secundário. Importa incentivar a atenção crítica do aluno; contribuir para uma formação integral do jovem. Mas sem um conjunto de conceitos fundamentais, estruturantes, e, sobretudo, sem uma história das ideias, não se pode pensar. A reflexão sobre ética, estética, política, e outros temas, só é possível se se estiver familiarizado com determinados conceitos. Se se ignora, por exemplo, o que é o marxismo, democracia, socialismo, Estado de Direito, legalidade, legitimidade, e a sua origem, qualquer pensamento sobre política é apenas um simulacro.
10 Outubro de 1985
Mas ainda existe um vazio por preencher. Um vazio metafísico. Há coisas boas na vida, sem dúvida, contudo esta espécie de buraco negro tudo absorve, permanecendo uma ansiedade, uma fome inclassificável. Saber que os meus pais estão bem, que a Fátima me ama, olhar a paisagem, a presença dos livros, da música, da arte, a natureza, tudo isto é reconfortante. Mas, apesar disto, a ferida indefinida da tristeza como marca invisível em cada instante do dia.
A Maria João Pires a tocar Schubert: “Le voyage magnifique”, triste, sublime. Agora releio o livro “Jogo das Contas de Vidro” de H. Hesse. Depois de ter lido “Monstruosidades Vulgares” de José Régio. As personagens deste livro são tratadas com profundidade psicológica, muito embora a abordagem política seja bastante datada e a atmosfera interior respire depressão e melancolia. Mas a temática inscreve-se num percurso de interrogação do sentido da vida, que é o que mais me agrada.
Mas de leituras confesso o meu cansaço. Reconheço ainda um impulso em direção aos livros, mas já me pergunto porquê e para quê. Terei perdido a inocência da leitura. O seu prazer gratuito. Ou não se tratará bem disso, mas apenas da minha neurastenia que se estende a toda atividade. Não sei também se hei-de continuar a escrever. Para quê mais um romance no mundo? Nada acrescento ao que já foi escrito e tão bem escrito por uma mão cheia de criadores. Penso mesmo que o que queria dizer já o expressei na dúzia e meia de poemas que escrevi.
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Carolina Ramalho dos Santos
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