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De máscara e olhos postos nas chamas que de mansinho se agigantam e ameaçam a habitação onde moram há pouco mais de meio ano, uma família ucraniana prepara-se para uma batalha que assola Castro Daire há vários dias. Uma batalha desigual, que já consumiu mais de 30 mil hectares no concelho e mais de 121 mil hectares no país.
Quando há dois anos saíram da Ucrânia para fugir da guerra não imaginavam que fossem encontrar outra pelo caminho. A mãe, de lenço na cabeça, conta que não vão sair dali, até porque a população está reunida, preparada e há dois carros de combate dos bombeiros por perto. Ao lado, uma das filhas, de 11 anos, ajuda o irmão, de 13, a limpar o terreno adjacente que não lhes pertence, mas que pode ser um inimigo se as chamas se aproximaram.
“Sinto um pouco de medo, mas vai correr bem”, atira a jovem enquanto segura uma enxada ancinho com que vai cortando o mato seco.
A família vive na freguesia de Pepim onde as chamas não deram tréguas nos últimos dias e noites. Preferindo manter o anonimato, conversaram com o Jornal do Centro ao início da tarde desta quarta-feira (19 de setembro) quando, de um momento para o outro, as chamas começaram a ganhar dimensão e a ameaçar o que ainda faltava consumir junto à Estrada Regional 228, que liga Castro Daire a São Pedro do Sul.
Ali, na freguesia, todos ajudam. Até um jovem morador, Diogo, assume o papel de militar da GNR e apoia no alerta aos condutores para que não avancem mais. O incêndio, descontrolado, obrigou ao corte da via e é preciso garantir que ninguém se coloca em perigo.
Além desta família ucraniana, outros tantos populares arregaçam as mangas com um único objetivo: defender tudo o que puderem nas aldeias da freguesia onde já muito o fogo levou, menos a força de quem quer e vai resistir até as chamas (e a segurança) permitirem.
Junto da população está o presidente da Junta de Freguesia, Avelino Rocha, que não esconde o cenário “caótico”. “Vamos lá ver se isto não fica ainda pior. É preciso travar o fogo e não deixar que galgue a estrada e avance para a aldeia de Pepim e para as outras aldeias. Mas temos aqui bombeiros e o kit da freguesia [composto por depósitos de água e maquinaria] que também vai dando uma grande ajuda”, conta. Entretanto, também um grupo de sapadores florestais se juntou no combate.
A Guilherme, de 13 anos, cabe garantir que todos se alimentam. A mãe, que tem um restaurante ali perto, preparou uma panela de comida, há ainda pão e bebidas. “Os meus avós moram ali em baixo e o meu pai anda a molhar o telhado para proteger a casa”, conta-nos enquanto mais um popular “reabastece” o estômago.
Começamos a descer em direção a Pepim. Pelo caminho encontramos corporações de bombeiros que estão há vários dias na região, mas que vieram de outros pontos do país. Ali, há carros de Vila Viçosa e Estremoz.
Mais à frente, encontramos Filipa Paiva, de 31 anos, uma das mais novas da aldeia que tem pouco mais de 20 habitantes. Filipa perdeu uma estufa de mirtilos e framboesas, ”que seriam para exportar”.
“Estávamos a tentar salvar tudo, mas de repente as chamas vieram e tivemos de fugir”, conta sem nunca tirar os olhos do incêndio que lavra ali ao lado, na aldeia vizinha. Cansada, desolada pelo que o fogo lhe levou, Filipa garante que vai continuar ali até que lhe seja possível resistir.
Ao lado, Lucinda Pinto afirma o mesmo. É no jardim de sua casa e do marido que estamos à conversa e onde nos mostra a boca de incêndio que tem na habitação e as mangueiras em prontidão que já serviram para molhar tudo à volta. “Não me recordo de ver a nossa freguesia ser fustigada desta maneira”, atira.
No céu o sol brilha numa cor diferente e ofuscado por um fumo que fica cada vez mais denso e torna o ar quase irrespirável, a visibilidade é cada vez mais reduzida e lá em baixo, junto à estrada, um carro de bombeiros espera pelas chamas.
Tentamos ir a outra aldeia, mas somos travados por cabos e postes de madeira que, entretanto cederam ao serem consumidos pelas chamas. Pelo caminho, de alguns quilómetros, um silêncio ensurdecedor e uma paisagem pintada a preto e branco.
Deixamos estas aldeias e seguimos pela ER228 (que, entretanto, reabriu) em direção a São Pedro do Sul, outro concelho que tem sido castigado pelos incêndios dos últimos dias.
A primeira paragem é em Ladreda, ali mesmo, à beira da estrada, onde uma equipa de militares bombeiros vindos de Espanha combatem as chamas. Ao lado uma casa e outra vez o silêncio que não nos deixa esquecer que por ali se vivem momentos difíceis. Um silêncio que só é interrompido pelo crepitar do fogo.
A noite começa a cair e seguimos caminho, iluminados pela luz das chamas e com a companhia de uma nuvem de fumo que se arrasta por quilómetros. O cheiro está entranhado na roupa e no nariz, como se de um perfume se tratasse.
Em São Pedro do Sul, à semelhança do que já se tinha sentido naquelas aldeias de Castro Daire, há uma estranha sensação de calma, apesar dos relatos e dos olhares dos populares não esconderem o medo, o receio e a preocupação do que pode estar ainda por vir. Muitos não dormem há vários dias, outros fazem-no, mas em sobressalto.
As chamas descem lentamente pela serra e todos sabem que elas vão chegar. Talvez seja isso, a certeza de que nada há a fazer, além de tentar resistir.
Os bombeiros não conseguem estar em todo o lado, mesmo vindos de todo o país. Muitos a combaterem as chamas há longas e duras horas. Por nós já se cruzaram corporações de Benavente, Coruche, Salva Terra de Magos, Alcanede, Santarém ou Pernes. Os focos são muitos, em várias aldeias, freguesias e concelhos. Em muitos locais, cabe aos populares salvaguardarem as suas casas, as dos vizinhos e os sonhos que construíram ao longo de uma vida.
Paramos na freguesia de Pinho, pelo caminho são várias as habitações onde os moradores e populares se reúnem, munidos de tratores, depositos, mangueiras e tudo o que os possa ajudar a travar uma visita que ninguém convidou.
“É muito complicado, estamos entregues a nós, mas os bombeiros não conseguem estar em todo o lado. Temos que ter calma, esperar e logo se verá”, atira um dos populares.
No dia anterior, a “visita” já tinha passado ali ao lado, em Pindelo dos Milagres, em Vila Maior, por quase todas as aldeias e freguesias, destruindo muito do que encontrou pela frente.
“O fogo está a aproximar-se das casas, vem devagar, mas estamos preparados para quando ele chegar. Vamos fazer o que pudermos para proteger as casas e as pessoas”, atira o presidente da Junta de Freguesia de Pinho.
Rui Carvalho, que estava a jantar em casa de um dos populares, conta-nos que é muito difícil ver os seus fregueses a viver uma situação como esta. “Vou-lhes pedindo que tenham calma, que fiquem por casa, que protejam os seus bens e que deixem a mata arder. O que importa é a segurança deles”, desabafa.
O autarca conta que ali ao lado se viveram momentos muito difíceis, na povoação dos Amieiros, com as chamas a chegarem às casas. “O campo de futebol ardeu de uma ponta à outra, um estaleiro de materiais ardeu”, recorda.
Despedimo-nos do presidente, dos populares e seguimos. Seguimos com a certeza de que aquelas pessoas, de Castro Daire a São Pedro do Sul, vão resistir até ao fim, acompanhadas de uma calma que existe, mas não existe. Seguimos com a certeza que o fogo pode ter levado tudo, mas não levou a força de quem ali mora.