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Joaquim Alexandre Rodrigues
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A designação é antiga e descreve aquele momento em que deixamos de ser privados de qualquer coisa e voltamos finalmente a poder apreciar o que nos foi tirado. Habitualmente é um momento de prazer redobrado, precisamente por vir a seguir a uma privação.
Foi o que senti na semana passada, em relação a diversos assuntos. Fui a Sesimbra visitar a minha filha, que fez anos e já não via há vários meses, e a neta que já anda no segundo ano e gosta de fazer contas e desenhar. Levei a Stella, a minha cadela cachorro, e confesso que estava apreensivo porque ela nunca tinha feito uma viagem tão grande e também porque não sabia como se ía adaptar a uma nova casa e família. Pois foi uma autêntica festa, de tal modo que tive de a levar à escola da neta para ser apresentada às amigas. De uma assentada, matei saudades da família, de algumas tardes de Sol perto do mar, e sosseguei-me quanto às aptidões sociais da cadela.
Aproveitei para ir a Lisboa à Galeria 111, no Campo Grande. Esta é talvez a galeria que conheço há mais tempo, até por ser uma das mais antigas (fez 50 anos em 2014), onde vi obras de artistas plásticos incontornáveis da arte portuguesa. Com o tempo fui criando um certo fascínio por Manuel de Brito, o seu criador e mentor entretanto desaparecido, e uma ida a Lisboa sem visitar a 111 parece-me sempre incompleta. Agora tem um novo espaço perto da sua localização inicial, que ainda mantém e onde se encontra neste momento uma coletânea de luxo (entre muitas obras, pude matar saudades de desenhos do Júlio Pomar e de uma composição da Ana Vidigal).
Mas fui também ver o novo espaço (fica em frente ao prédio onde vivia Mário Soares) projetado para acolher uma galeria de arte contemporânea com as melhores condições possíveis. Expor arte e promover artistas é uma tarefa complexa, exige meios técnicos sofisticados, espaço, uma política de relações públicas adequada. Tive o prazer de ser recebido por um continuador de Manuel de Brito, que me mostrou a nova galeria com todo o detalhe, bem como alguns exemplares da vastíssima coleção de nível internacional existente na reserva.
Na sala principal encontra-se uma exposição de João Jacinto, que me “forçou” a pensar em pintura. São composições onde o desenho se encontra ausente, e é com a densidade matérica e a côr exuberante que o artista trabalha, criando uma ambiência que pode fazer lembrar, visualmente, a densidade de côr e fumo utilizada por vezes nas artes de palco. É uma espécie de impressionismo abstrato (designação minha). Vistas ao perto, as superfícies das telas sugerem a rugosidade da fase branca de Julião Sarmento, ou as camadas sucessivas de cal ou cimento das paredes antigas, mas, em minha opinião, esta estratégia pictórica não é utilizada para exacerbar o fator tempo, mas sim para criar uma certa saturação visual. Como diria McLuhan, “o meio é a mensagem”, ou seja, o pigmento, a côr e a sobreposição falam-nos do nosso ambiente multimédia contemporâneo.
Ainda tive tempo para ir à Biblioteca Nacional ver a exposição “ATLAS”, de Suzanne Daveau, colaboradora de Orlando Ribeiro (1911–1997) que dedicou toda a sua vida ao ensino e investigação em Geografia. O seu livro “Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico” ajuda a compreender porque é que sendo nós um país pequeno, se encontra uma diversidade tão grande, de paisagem e cultura, quando se caminha da frente atlântica para a mediterrânica. Suzanne Daveau acompanhou-o nas suas inúmeras viagens, e as suas fotografias compõem um autêntico atlas visual de Portugal e de outros continentes. Muitas das imagens são apresentadas ainda nas suas fichas de campo do Centro de Estudos Geográficos. Cidade, Processo, Humanidade, Rural, Tempo, Natureza, são alguns dos temas que nos propõe. Gosto de mapas, de atlas, de sistemas de classificação de conteúdos, e esta exposição é um autêntico mergulho nesse universo. Matei saudades, e ainda passei pela Livraria Imprensa Nacional Casa da Moeda (INCM) existente na biblioteca, para ver os livros da coleção Ph. – fotógrafos portugueses contemporâneos – que ainda não tinha tido oportunidade de experimentar (ver com as mãos, sentir o formato do livro, cheirar o papel, observar demoradamente as imagens). Alguns dos fotógrafos que admiro – como José Rodrigues, Paulo Nozolino ou Jorge Molder – estão lá. Neste tempo de voragem digital sabe bem matar saudades de uma edição em papel, com bom gosto.
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