Autor

Pedro Baila Antunes

13 de 01 de 2024, 12:37

Colunistas

Fará sentido Viseu e concelhos vizinhos serem abastecidos por água do Rio Douro?

O debate e o escrutínio político parece não ter ocorrido. As notícias foram raras e a sociedade civil não se tem manifestado.

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Tendo o corpo humano mais de 60% de água, consumindo apenas água da torneira, na área abastecida pela Barragem de Fagilde (como a maioria dos viseenses), costumo afirmar que no essencial “sou feito de Rio Dão”!
A seca extrema prolongada de 2017 e, já antes, a seca de 2005, comprovaram que a Barragem de Fagilde, Rio Dão, para além de limites estruturais muito sérios, é muito deficitária para o abastecimento de água a Viseu e concelhos vizinhos, nomeadamente em períodos de seca. Estes, com as Alterações Climáticas vão ser cada vez mais frequentes, intensos e prolongados, à semelhança de outros eventos climáticos extremos.
A reconstrução e ampliação da Barragem de Fagilde, num investimento relativamente reduzido e sem os impactos ambientais de outras barragens anteriormente perspetivadas, garantiria o abastecimento de água à população atualmente servida em períodos e seca extrema de duração próxima de um ano.
Complementarmente, e de modo sustentável (com custos financeiros e ambientais reduzidos), para reforçar a resiliência e a segurança do abastecimento de água à Região, deveria ser implantada uma conduta de ligação a um sistema de abastecimento de água próximo.
Paralelamente, em consonância com a primeira prioridade da política da água da União Europeia, teria de haver um investimento decisivo na eficiência hídrica, reduzindo perdas e fugas nos sistemas de distribuição e realizando uma forte aposta na redução de consumo de água, na reutilização de águas residuais e no aproveitamento de águas pluviais.
Evidentemente, teria de verificar-se uma solução organizativa pública intermunicipal e uma comparticipação financeira nacional-comunitária.
A Pandemia, as Alterações Climáticas e o desenvolvimento sustentável demonstram que os territórios devem assegurar, tanto quanto possível, em proximidade a produção e o fornecimento de bens essenciais. O que se evidência mais num bem de "primeiríssima” necessidade como a água.
No Interior do País – onde é premente aproveitar recursos endógenos, acrescentando-lhes valor - esta premissa é ainda mais válida. E, efetivamente, o nosso território é rico em recursos hídricos.
Porém, a solução delineada para o abastecimento de água a Viseu - quer no plano estrutural, quer no plano organizativo - aponta numa direção bem diferente: a água virá do Rio Douro, fornecida pela empresa pública Águas do Douro e Paiva (AdDP), detida a 51% pelas Águas de Portugal e a 49% por municípios do Norte e, no futuro, pelos novos aderentes.
Para o efeito, para o abastecimento de água em alta a Viseu será implantada uma conduta de ligação desde Cesar, Oliveira de Azeméis, até ao Bairro Norad. A Barragem de Fagilde será apenas redundante.
O investimento será avultado, próximo de 100 milhões de euros, dos quais mais de 70 milhões de euros para as condutas principais para cobrir tão grande distância. Na exploração, também se advinham custos consideráveis de manutenção e transporte de água.
Os benefícios do “negócio“ para as AdDP são evidentes. Com um investimento financeiro, presume-se, altamente comparticipado, verifica-se um alargamento do território de intervenção e quota de mercado, um ganho de escala e o aproveitamento da capacidade excedentária.
Já do lado de Viseu e vizinhos, a par de uma solução imediatista, “fácil” quase “chave na mão “, as vantagens, para já, não são claras. Há consciencialização sobre a perda de gestão, poder de decisão e autonomia do abastecimento de água?
O propalado Estudo de Viabilidade Económico-financeira foi fundamentalmente conduzido pelos interesses da AdDP?
É destacado que o custo da água por metro cúbico é 10 cêntimos inferior ao previsto na empresa intermunicipal concebida em 2016, entretanto “abortada”. E comparativamente aos custos atualmente praticados? E relativamente aos custos praticados por um sistema de Fagilde requalificado no futuro?
Com os princípios, factos e argumentos expressos no presente Artigo de Opinião não pretendo advogar perentoriamente que “a importação” de água através da AdDP é uma má decisão estratégica, lesiva do superior interesse de Viseu e de outros concelhos aderentes.
Para uma análise mais definitiva sobre um assunto profundamente estratégico como este haveria a necessidade de mais enquadramento, tem havido pouca informação pública. O debate e o escrutínio político parece não ter ocorrido. As notícias foram raras e a sociedade civil não se tem manifestado.