Carlos Eduardo

27 de 04 de 2024, 11:02

Desporto

A oito anos da liberdade, mas a 25 de abril, Os Ribeirinhos começaram aí a correr uma prova sem meta à vista

Da zona da Ribeira, em Viseu, nasceu a 25 de abril de 1966 um clube que viria a fazer história no atletismo distrital e nacional. Formou campeões nacionais, deu asas ao sonho de vários atletas. E hoje, 58 anos depois de ser fundado, Os Ribeirinhos olham para o futuro com otimismo e para o passado com orgulho. Olímpio Coelho, nome incontornável no clube, lançou, no ano da liberdade, a instituição para outros ‘voos’

olimpio coelho ribeirinhos

Fotógrafo: Jornal do Centro

25 de abril de 1966. O dia viria a ser histórico, anos mais tarde. E o ano, também, mas no futebol. O terceiro lugar no Mundial de Inglaterra estava à espreita, num país em que o desporto dava cor à vida vivida a preto e branco. Foi a oito anos de assinalar “o dia inteiro e limpo”, como escreveu Sophia, que em Viseu apareceu um clube chamado Grupo Desportivo Os Ribeirinhos. Os estatutos, assinados por Augusto Manuel Figueiredo e José Luís Ferreira e Silva dariam corpo ao clube que teve a primeira sede no primeiro andar, do número 22, do Campo de Viriato, bem no centro de Viseu.

E tudo foi pensado. Até o símbolo. Viriato estava ao centro, ou não estivesse o clube junto à Ribeira que tem a vizinhança da Cava. No topo pode ler-se “Presuntus et Vinus Tintus”. O humor e o lado mais artístico e arrojado nunca estiveram fora de pista, num clube em que, também ficou decidido, os atletas vestiam camisola grená e calção azul com uma lista branca. As corridas foram várias nos primeiros anos, mas o cronómetro abrandou e Os Ribeirinhos deixaram de estar ativos.

A filiação na Associação de Desportos de Viseu e a documentação toda tratada, acabou, em 1974, por facilitar a vida a quatro jovens corredores que quiseram ‘ressuscitar’ o clube. Corriam pelo Académico de Viseu e pelo Viseu e Benfica, mas quiseram participar juntos, com o mesmo símbolo vestido, no Grande Prémio da Feira de São Mateus. Henrique Almeida, Carlos Lourenço, António Rodrigues e Olímpio Coelho. Este último esteve à frente do clube de atletismo durante décadas e ainda hoje faz parte da direção. É, pois com saudade, que Olímpio recorda aqueles tempos.

“Sinto um orgulho enorme. Não imagina o que é sentir o acrescentar. Vem o amanhã, vem o depois”, confessa. O início da paixão por correr vem desde tenra idade, numa vida que começou a rimar com trabalho logo os 13 anos. “Só fiz atletismo. Alinhei no futebol de cinco no Académico de Viseu e pesca desportiva. Mas o atletismo é a minha paixão maior. É a minha modalidade rainha. Fui medalha de prata, em 1990, em Budapeste na maratona, em veteranos. E consegui isso pelo trabalho que tinha feito. Sou o único viseense alcançado em campeonatos da Europa, ainda hoje”, ressalva Olímpio Coelho. Essa medalha, ganha com 41 anos, tal como outras conquistas, são guardadas com afinco.

“Tenho quadros. Há um enorme quadro onde tenho várias medalhas. Tenho também quadros com diplomas e há molduras com as medalhas mais valiosas”, detalha. Para os resultados chegarem, Olímpio Coelho, em jeito de conselho, para os corredores mais jovens diz que são fundamentais “cuidados alimentares e a programação do treino”. “Vamos treinar de manhã e fazemos não sei quantos quilómetros, treinamos à tarde mais não sei quantas séries, com o foco na prova que queríamos fazer”, explica.

O fator tempo não dá tréguas e as décadas ligadas à corrida e, depois, ao associativismo foram retirando tempo. “Foi muita a dedicação. Sobretudo, quando o desporto é individual, se não nos empenharmos, não obtemos o resultado. No andebol ou no basquetebol, vamos trocando a bola entre todos. Ali, não. Sem preparação e cuidado, não se consegue”, vinca Olímpio Coelho. São, aliás, valores como a dedicação e o empenho que, o nome maior do atletismo dos Ribeirinhos, confessa querer deixar como legado.

Livro de memórias lançado por ocasião dos 50 anos do clube
Na antecâmara da Meia Maratona de Viseu, prova maior do atletismo regional e nacional, criada em 1981, esteve um episódio que Olímpio Coelho não esquece e conta no livro “50 Anos Grupo Desportivo “Os Ribeirinhos” 1966-2016”, lançado por ocasião do meio século do clube. “Em mil novecentos e oitenta, o clube organizou um encontro com vários atletas representantes de vários clubes, no Fontelo, para um almoço de confraternização, mas antes teríamos de correr”, escreve Olímpio num livro, sem numeração de páginas, escrito ao corrente das memórias de uma vida ligada ao atletismo. Ao almoço seguiu-se a corrida. “Estávamos a correr livremente na estrada e alguns dos participantes foram abordados por agentes da GNR a mandar encostar e parar a caravana pedestres. Ninguém parou e os agentes lá foram à sua vida”, conta Olímpio.

O imprevisto maior foi uma ida ao posto da GNR. “Dois agentes da GNR a meio do convívio questionaram quem era o responsável pela organização e quem tinha organizado a prova. Lá fui eu acompanhado do meu pai, para o posto da Guarda Nacional Republicana. Fui ouvido e depois de quase uma hora, o Senhor Comandante lá nos mandou embora, mas antes elucidou-me de que para a próxima teríamos de solicitar a devida licença para a realização de uma prova desportiva na via pública”, complementa Olímpio no livro. Um ano mais tarde, em 1981, nascia a Meia Maratona de Viseu.

A primeira edição de uma prova que teve até agora 40 “voltas à pista” contou com 58 atletas. António Rebelo, do Académico de Godim, foi o primeiro vencedor de sempre da Maratona dos Ribeirinhos que, mais tarde, adotaria o nome de Viseu. Na história do clube está uma prova para atletas em cadeira de rodas logo na segunda edição da Maratona. Em 1982, 12 atletas percorreram um quilómetro em cadeira de rodas. No histórico da Meia Maratona de Viseu, estão dez vitórias de Fátima Neves, hoje monitora no clube. A filha, Rita Figueiredo, hoje atleta do Sporting e campeã nacional de atletismo, que já correu pelos Ribeirinhos, faz parte do leque de embaixadores da cidade Europeia do Desporto.

Hoje com 75 anos, Olímpio Coelho olha com otimismo para o futuro do clube. “Temos o cuidado de ter uma escolinha de atletismo com crianças muito jovens. A escolinha dos Ribeirinhos é o que vai dar continuidade. O Pedro Lemos, hoje com 17 anos, já conseguiu títulos nacionais. É isso que nos enche de orgulho. Deveria ter oito anos quando chegou para correr pela primeira vez, acompanhado pelos pais. É de louvar o trabalho que é feito nos bastidores para que a malta vá conseguindo ganhar”, atira. Olímpio era até há algum tempo presença assídua nas provas em que os Ribeirinhos participavam. Agora, mesmo longe, procura sempre saber que resultados foram conseguidos. “É ótimo pegar num jornal e ver que aquele corredor do nosso clube ganhou”, complementa.

Levar mais atletas a provas nacionais é a ambição
Hoje o clube de atletismo de Viseu é liderado por Paulo Frias. Na presidência há quatro anos, mas nos Ribeirinhos há oito desde que inscreveu a filha no atletismo. Os Ribeirinhos contam hoje com cerca de 30 atletas dos seis aos 18 anos. “Já tivemos mais, mas quantos mais atletas tivermos, temos também de ter mais treinadores e mais pessoas a acompanhar. Neste momento estamos com o número ideal de atletas”, defende Paulo Frias. Ao lado de Olímpio Coelho, enquanto desfiava memórias, o atual timoneiro reconhece que é devido ao antigo dirigente que hoje está nos Ribeirinhos. “Entrei na direção por causa dele. Foi quem me puxou. O conhecimento que ele tem eu nunca terei”, reconhece.

“Sempre que preciso de alguma coisa, ligo para ele. A cabeça é ele”, frisa. Para o futuro, o líder dos Ribeirinhos mostra-se confiante. “O clube vai continuar. Os Ribeirinhos fazem agora 58 anos e vão durar seguramente mais 58. Há uma equipa fantástica”, elogia Paulo Frias. Como desafios, o dirigente quer “levar mais atletas a provas nacionais”. “Temos o Pedro Lemos que está no topo e ainda mais três ou quatro corredores que, com treino e dedicação, vão chegar lá também”, detalha.

Num país dominado por um desporto em que há uma bola a rolar, as finanças de clubes de outras modalidades nem sempre têm estabilidade. E é aqui que é notado o papel dos pais dos atletas “Se não tivéssemos os pais a ajudar… São muito importantes”, assume. Sobre rivalidades, Paulo Frias assume que existe, mas apenas na hora de correr. “No convívio, somos todos amigos. Só na partida é que somos rivais. No fim, está tudo bem”, remata.