Geral

05 de 05 de 2024, 15:00

Diário

“A Igreja precisa de criar uma cultura vocacional, onde cada um descobre onde pode servir e sentir-se realizado”

O sacerdócio, a Igreja dos novos tempos, os jovens e a fé e o 13 de Maio foram alguns dos temas abordados numa entrevista ao Bispo da Diocese de Viseu, António Luciano

Bispo Viseu António Luciano

Fotógrafo: Jornal do Centro

Faltam padres na Diocese de Viseu?
Vivemos um momento da Igreja em que se faz sentir a diminuição das vocações sacerdotais. Na Diocese de Viseu temos atualmente quatro seminaristas, com dois estagiários (Alexandre e Eduardo) e, daqui a meio ano, serão ordenados diáconos. Há aqui o retomar de um caminho que tinha sido interrompido, porque quase todos os anos, ou de dois em dois anos, havia ordenações de sacerdotes. Há sete anos que isso não acontecido, por isso é motivo de esperança. Claro que estamos a trabalhar, simultaneamente, no pré-seminário que é o encontro com os jovens. Não quer dizer que aqueles que vão para o pré-seminário é para serem sacerdotes, o importante é termos o sentido daquilo que é o nosso projeto de vida e depois valorizá-lo para podermos servir os outros. Ser padre hoje não é o mesmo que há 50 anos, a realidade em que vivemos é outra. Por isso, além da formação dos sacerdotes, a sua integração nas comunidades e a resposta das comunidades na relação com os padres tem que ser diferente.

Essas mudanças dos tempos podem fazer a diferença na captação de mais jovens?
Penso que sim. A nossa presença, a nossa postura, a proximidade, a relação e a amizade com as pessoas. O nosso Papa vai reunir por estes dias em Roma com 200 párocos de todo o mundo, incluindo de Portugal. Com certeza que, de acordo com a sua experiência e ensinamentos, vai dizer- -lhes como é que o padre hoje deve receber este ministério de pároco, na proximidade com as pessoas, na atenção aos seus problemas e dificuldades, tendo sempre como objetivo aquilo que sempre foi conferido ao ministério sacerdotal que é ser presença de Cristo no meio das pessoas.

Como se cativam os jovens?
Penso que por esta abertura, por este acolhimento e por esta relação. Os jovens cativam-se assim. Ainda recentemente um jovem numa reunião da Pastoral do Ensino Superior, a propósito da missa da bênção das pastas em Viseu, disse-me para que transmitisse ao jovens que a Igreja é Mãe e que os acolhe. E eu frisei isso, e quando o disse senti o aplauso. Como se cativa? Não sei bem, mas talvez pela proximidade, pela simplicidade, pela postura de acolhimento, pelo respeito pelo outro e, por isso, tenho que ser alguém próximo, justo, afável. Não posso ser prepotente ou achar que sei tudo. Penso que o que nos cativa uns aos outros é sempre o bem que fizermos.

A Igreja teve culpa neste afastamento dos jovens?
Não sei se houve culpa, penso que não se pode culpar ninguém. Mas há efetivamente uma mudança de paradigma. Antes esperávamos que os jovens procurassem a Igreja ou através das famílias, nesta nova era nós é que temos que ir à procura. E é por isso que gosto de os interpelar e sugerir o sacerdócio, ir deixando a semente. Há uns que não a deixam de lado, há outros que me dizem logo que não! O problema das vocações é um problema global da Igreja, mas temos que ir ao encontro. E há um trabalho que também tem que ser feito com a família e com os jovens, e acho que a Jornada Mundial da Juventude nos ajudou e inspirou.

A Jornada é um evento mundial. Que ações e iniciativas é que as dioceses, à sua escala, podem fazer?
Há um documento da década de 80 que tinha uma frase: toda a pastoral da Igreja é vocacional. E às vezes esquecemo-nos disso. A pastoral familiar, a pastoral do mundo do trabalho, dos professores, da saúde, pastoral social, da catequese, todas têm que ser vocacionados. Não no sentido de achar que daí vem alguém padre, mas para que se tenha uma vocação de serviço à comunidade. A Igreja deve servir. O que pode acontecer é que às vezes não seja muito visível, por isso é que em todas as dioceses há, pelo menos, quatro setores que devem ser fundamentais na perspetiva da pastoral vocacional: a família, a catequese e evangelização, a juvenil (com o ensino superior) e a pastoral vocacional mais virada para este caminho do sacerdócio. E há iniciativas como a que se vai realizar a 26 de maio, onde o Papa vai reunir com crianças em catequese e da Diocese de Viseu, da paróquia de Abraveses, vai estar um grupo.

No caso da Diocese de Viseu, a média de idades dos padres ronda os 60/70 anos. O rejuvenescimento dos “quadros” também pode cativar mais?
Acredito que sim, embora o espírito seja mais importante que a idade. Mas se tivermos mais padres jovens, acredito que possa trazer esse “clique”. Se os jovens sentirem que os chamamos para um caminho que os faça sentir bem, vai fazer a diferença. A Igreja precisa de criar uma cultura vocacional, que é um ambiente onde cada um descobre onde pode servir e se sentir realizado, se for no sacerdócio ótimo, se for na família maravilhoso, ou seja, em que lugar for.

A própria figura do Papa, que nos últimos anos se tem aproximado mais dos jovens, também faz a diferença?
Foi um convite que veio a partir do Concílio Vaticano II, já com João XXIII e João Paulo VI. João Paulo II foi extraordinário na relação com os jovens, com a criação da Jornada Mundial da Juventude e também o Papa Bento e o Papa Francisco têm insistido muito nisso. E este é o tal sinal da Igreja que quer renovar-se e que sai de si mesma para ir a todos os lugares onde é preciso cuidar das pessoas. E continuo a acreditar que uma comunidade com um pároco é uma comunidade com uma mais-valia. Os padres são menos, as paróquias, sobretudo no interior, perdem serviços, e sem a figura do padre acho que há um empobrecimento das comunidades.

A poucos dias do 13 de Maio que mensagem importa deixar à comunidade?
Num texto que escrevi a propósito deste mês de maio, fiz o convite para fixar o nosso olhar em Maria, porque Maria também nos fixa a nós. E o mês de maio é uma oportunidade que temos disso, até chamam o mês de Maria, com a oração do terço, com a peregrinação a Fátima. Penso que é um momento forte, aglutinador e de alegria. Desejo aos peregrinos de Fátima e a todos os que mais crentes e menos crentes encontrem um caminho de luz e felicidade.