Diogo Paredes

02 de 03 de 2024, 10:00

Diário

Eleições legislativas, parlamentos dos jovens e juventudes partidárias: entre os mais novos e a política, quem é que se desinteressou por quem?

Os jovens têm uma elevada taxa de abstenção nas eleições passadas, mas há mais do que uma forma de participar política e civicamente. Deverá a política mudar o seu foco e reinventar-se para atrair mais jovens?

Fotógrafo: Arquivo Jornal do Centro

É comum, ao pensar nas taxas de abstenção das últimas eleições, referir que as novas gerações apresentam um menor interesse pela política. Em 2015, 55,86% dos inscritos para votar dirigiram-se às urnas. Em 2019, esta percentagem reduziu para 48,57%. Já em 2022, contudo, o valor subiu para 51,42%. Ainda assim, estes valores encontram-se aquém das percentagens de votantes nas décadas de 1980 e 1990. Mas será de facto verdade que os jovens perderam o interesse pela política?

A resposta, segundo um estudo da Fundação Calouste Gulbenkian publicado em 2022, é “não”. Segundo o relatório do mesmo estudo, “a ideia frequentemente veiculada de que se assiste a um declínio generalizado da participação política da juventude em Portugal não é apoiada pelos dados disponíveis”. O estudo vai mais longe, sugerindo mesmo que “algumas formas de participação política não-eleitoral dos portugueses em geral – e da juventude em particular – vem aumentando ao longo do tempo”. Quer isto dizer que embora a taxa de abstenção tenha aumentado ao longo das décadas, os jovens estão atualmente mais engajados em atividades de cariz participativo, comunitário e político do que nunca.

É o caso de Samuel Ferreira, estudante universitário de 19 anos que estuda na Escola Superior de Educação de Viseu e cujo primeiro contacto com a política surgiu no Parlamento dos Jovens. “Como a maioria dos jovens, eu naturalmente agora nesta altura das legislativas estou um bocado mais atento e vou ligando mais aos debates. Gosto de prestar atenção àquilo que se passa no país e, como tal, vou tentando dar sempre um olho ao que se vai passando. Numa semana normal, contando que não está a haver nenhum debate para as legislativas, em sete dias pelo menos num ou dois vou ver algumas coisas das notícias”, afirmou. Além disso, Samuel Ferreira destacou a importância de alguns utilizadores das redes sociais, também eles jovens adultos, que aproveitam estas plataformas para debater e aproximar os jovens da política.

Também para Beatriz Felício, estudante universitária de 18 anos, a política é um tema que sempre despertou o seu interesse, tendo inclusive participado no Parlamento dos Jovens quando estou no ensino secundário. “Comecei a ter ainda mais interesse de há um ano para cá, porque comecei a perceber que quero votar com consciência agora nas eleições. Ainda não percebo muito, mas todos os dias tento aprender mais um bocado porque quero votar e quero fazer parte da mudança”, explicou a jovem.

As conversas sobre política entre Beatriz Felício e os colegas têm sido recorrentes, principalmente porque esta é a primeira vez que vão votar. “Tentamos ver se conseguimos chegar a um ponto convergente através de ideias diferentes. Com os meus pais também é um tema que falamos bastante. A política sempre foi algo que gostei, então vou-lhes pedindo a opinião e eles vão-me dando o seu parecer, embora nunca me influenciando naquilo que eu acho que deve ser o melhor”, contou.

Em relação à opinião dos jovens sobre a sua representação dentro da política, esta é unânime. “Não me parece que a nossa representação hoje em dia esteja bem feita. Os grandes cargos são sempre dados a pessoas acima dos 40 anos, que é uma coisa que me revolta um bocado. Muito raramente as vozes que representam a juventude são ouvidas”, são palavras de Amália Barros, estudante de 17 anos.

“Existe uma entrada tardia de jovens na política e são muito poucos os que se interessam”, afirmou Cristina Ferreira, estudante de mestrado em Comunicação Aplicada com 25 anos. “Depois do meu terceiro ano de licenciatura comecei a reparar que algumas pessoas querem de facto participar na política. Até então nunca tinha notado colegas meus ou amigos meus a interessarem-se por isso Portanto, só vejo pessoas dos 21 ou 22 anos para cima a começarem a interessar-se por política”, disse a estudante de mestrado, atualmente a realizar o programa Erasmus em Dublin, Irlanda.

Uma disciplina de política, o Parlamento dos Jovens ou a participação em associações. São várias as estratégias que, para estes jovens, poderiam levar a que mais jovens participassem ativamente na política ou que pudessem cativar os menos interessados para esta área. “Acho que tudo tinha de começar pela base, não podia ser uma coisa abrupta. No meu caso, o meu primeiro contacto com algo que tivesse que ver com a política e que me fez gostas deste meio foi a atividade do Parlamento dos Jovens. Acho que há muitos jovens que deixam essa atividade passar e como consequência chegam ao final do secundário sem estarem envolvidos e sem conhecerem nada.”, afirmou Samuel Ferreira. “Posso dar o exemplo de vários colegas meus que no ano passado e este ano ingressaram no curso de Direito em Lisboa ou no Porto sem saber o que se passa dentro do espectro político”, disse ainda.

Samuel Ferreira destacou o aspeto importante das associações na participação ativa dos jovens em ações de política e cidadania. O estudante universitário faz parte da Associação da Escola Superior de Educação de Viseu. “Milhares de alunos não estão envolvidos e provavelmente nem devem querer saber. Acho que não há uma seriedade por parte dos estudantes em relação a estes assuntos e como não é uma educação que vem de trás, não têm noção do tamanho e do trabalho que está por trás de uma associação de estudantes”, contou o jovem. “Quando há um grupo que tem seriedade e já sabe o que está a fazer ou já e envolveu em projetos parecidos e já tem arcaboiço para poder dirigir uma associação de estudantes, nomeadamente no secundário, nota-se claramente a diferença”, afirmou.

Para Beatriz Felício, deveriam existir mais incentivos que despertassem nos jovens a vontade de aprender mais sobre política. “Acho que as pessoas se baseiam um bocado nas redes sociais e naquilo que ouvem, e acho que para termos uma opinião concreta sobre a política temos de explorar várias vertentes”, explicou a jovem estudante da Escola Superior de Educação de Viseu. “A certa altura no meu secundário tentei fazer alguma pressão para que tivéssemos uma disciplina virada para esta área. Nós temos cidadania e eu na altura pensei ser necessário termos uma disciplina que nos informasse e nos desse vontade de aprender sobre política. Se houvesse mais incentivos as pessoas iam informar-se mais e o seu voto seria mais consistente”, contou.

Uma das principais diferenças que Cristina Ferreira encontrou em Dublin entre o povo irlandês e o povo português prende-se precisamente com uma menor ignorância no povo insular. “Noto que aqui as pessoas não se sentem tão injustiçadas como o povo português. Aqui não se nota tanto a corrupção e o povo parece menos ignorante, no sentido em que a política portuguesa parece que tenta empurrar a população para a ignorância”, começou por explicar a jovem em Erasmus. “Acho que aqui existe mais conhecimento sobre as coisas, os jovens são incentivados a aprender sobre política mais cedo e o resultado é que as coisas públicas realmente funcionam em comparação com Portugal em que quase nada funciona. Aqui quase não se vê o descontentamento do povo irlandês porque as coisas de facto funcionam”, concluiu Cristina Ferreira.

Os jovens e o papel das juventudes partidárias
Bruno Silva tem 24 anos e trabalha em Lisboa. Licenciado em Ciência Política e com pós-graduação em Gestão e Políticas Públicas, Bruno faz parte de uma juventude partidária do distrito de Viseu.

Mesmo estando distante de Viseu na maioria do tempo, Bruno não deixa de ler, ver ou ouvir alguma notícia sobre a região sempre que pode, assim como notícias relacionadas com política. “No computador e no telemóvel é possível uma espécie de flash informativo onde passam as principais notícias do dia de diferentes canais de informação. De noite já consumo mais as notícias pelas redes sociais e através da televisão”, explicou Bruno Silva.

Em relação às juventudes partidárias, Bruno Silva considera que estas são “mais vistas como uma ferramenta para fazer bem para a sociedade e não tanto para ganhar cargos”. “É uma ferramenta que te facilita ajudares as pessoas. É melhor estares num grupo de pessoas que também querem o mesmo que tu do que estares a agir sozinho. No fundo é uma ferramenta para ganhar redes, fazer ações culturais, ideológicas e dinamizar a sociedade” esclareceu o jovem politólogo.

Sobre a representação dos jovens na política, Bruno Silva assume serem muito poucos os deputados com menos de 30 anos. “Parece que o que acontece é que só porque está rotulado de jovem, por teres menos de 30 anos, que deixas de ter capacidade para representar uma nação. Além disso, parece que quando és jovem só podes falar de temas que são de jovens”, afirmou o politólogo. “Parece que deixas de ter a capacidade de falar sobre economia, relações internacionais ou ciência política a um nível de topo. Parece que só tens de falar de jovens, do ambiente e da habitação. Colocam-te esse rótulo e depois assumem que não tens capacidade para falar sobre outras coisas”, disse ainda.

O jovem cientista político assume que as juventudes partidárias podem ser uma das formas de incluir cada vez mais os jovens na cultura política, mas defende que para que tal aconteça, as juventudes partidárias não devem ser instrumentalizadas. “Os partidos têm de ter essa capacidade formativa para as suas bases e atualmente acho que não têm. Ficam muito agarrados a uma espécie de caciquismo e só trabalham para isso, para ter votos. O problema é que depois a partir da base inquina-se o resto da hierarquia. Se já na base começas a educar pessoas inconscientemente em como isto é o normal, claro que nos topos depois começam os casos e casinhos”, contou Bruno Silva.