Carlos Eduardo

28 de 03 de 2024, 15:31

Diário

Viseu levantou-se para aplaudir Ruy de Carvalho

Auditório improvisado na Casa da Ribeira foi pequeno para tanta gente. Viseenses disseram sim à chamada e foram prestar tributo ao ator de 97 anos que tem mais de oito décadas de palcos. Ator agradeceu e lembrou os tempos em que o velhinho Teatro Avenida era uma espécie de “validador” de peças de teatro. Pelo meio da tertúlia, o curador da exposição de tributo ao ator e ao teatro, deixou uma sugestão à vereadora da Cultura de Viseu

Ruy de carvalho aplauso de pé casa da ribeira Viseu

Fotógrafo: Jornal do Centro

O ator Ruy de Carvalho foi homenageado em Viseu, esta quarta-feira, 27 de março, no Dia Mundial do Teatro. Durante um mês, a Casa da Ribeira terá patente uma exposição, com curadoria de Nelson Mateus, que homenageia o artista de 97 anos e os vários personagens que interpretou ao longo de uma carreira que ultrapassa já as oito décadas de palcos.

A preto e branco ou a cores, esta é uma mostra que percorre inúmeros momentos, cenas e contracenas, e perpetua a memória de todos os que ali estão, em várias salas de espetáculos. De Eunice Muñoz, a Lourdes Norberto, passando por Carmen Dolores ou Diogo Infante. Há peças memoráveis, duplas que ficaram para a história e todos ali têm lugar.

Uma exposição para ver e rever, com tempo. No início da apresentação, o curador da mostra “Retratos Contados de Ruy de Carvalho” pediu um aplauso para o ator que esteve em Viseu a partilhar histórias e memórias de quem viveu uma vida para o teatro.

No fim de percorrida a exposição, houve tertúlia e os temas iam-se desenrolando como que num palco durante uma peça de teatro. Tempo não faltou e lembranças, também não. Desde a eterna mulher de Ruy, Ruth, até à filha Paula, presente no momento de homenagem.

E foi na tertúlia que Ruy de Carvalho recordou Viseu. O ator lembrou os tempos do Teatro Avenida. “Levava duas mil pessoas. Estava sempre esgotado. O povo aqui vinha ao Teatro”, disse. “Quem nos dera ter outra vez o teatro Avenida”, lamentou. Quando questionado por uma pessoa na plateia sobre se aquele era um espaço que validava as peças de teatro das grandes companhias portuguesas, o ator confirmou.

Numa espécie de segundo ato, houve nova partilha de história. “Fiz aqui uma peça em Viseu há muitos anos num dia de inverno, mas a peça passava-se no verão. E eu estava só de camisa, umas calças. Estava um frio danado. E houve um bombeiro voluntário, aqui de Viseu, que estava cheio de pena de mim. E ele veio com uma garrafa de jeropiga. Bebi a garrafa toda, mas fiquei cheio de frio na mesma. A jeropiga fez-me bem, aqueceu-me um bocadinho, mas não chegou”, disse, entre risos. O ator lembrou os tempos em que ia ao restaurante “O Cortiço”, em Viseu, comer arroz de carqueja. “Era ao pé da Sé”, detalhou.

Ruy de Carvalho sublinhou que hoje “vivemos uma vida mais livre em que somos capazes de fazer tudo”. “Mas é perigoso, tem havido muita demagogia, muita coisa que não deve ser dita. Muita corrupção e nós temos de começar a pensar que a arca de tesouro dos povos é a cultura. Um povo que tenha a capacidade de encher a arca com poemas, música, teatro, é um povo feliz”, enfatizou.

Numa plateia com alguns jovens, Ruy de Carvalho lembrou os tempos em que a censura atuava sobre os textos dos artistas. “Uma vez mandámos duas peças e cortaram todas”, disse.

E deu o exemplo de como se contornava o “lápis azul”. “Havia um ator que em peça dizia “Neste Porto há três luzinhas, três luzinhas muito bonitas. São duas brancas e uma vermelha. A censura cortou a vermelha. É verdade. Tivemos de inventar uma forma de o Porto ter três luzes. Então o Jaime Santos dizia: “Este é um Porto muito lindo, tem três luzinhas lá fora. São duas brancas e uma lilás. Toda a gente percebeu que tinha sido a censura que tinha cortado”, afirmou, entre gargalhadas de todos os presentes.

Durante a tertúlia, Nélson Mateus, deixou a sugestão à vereadora da cultura no município de Viseu, Leonor Barata para que uma das salas de espetáculo do futuro Centro de Artes e Espetáculos tivesse o nome de Ruy de Carvalho. No início da sessão, a filha do ator leu a mensagem do Dia Mundial do Teatro: “A arte é paz”, de Jon Fosse.