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O cerne do problema está no centralismo

 O cerne do problema está no centralismo
02.03.24
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 O cerne do problema está no centralismo

por
Alfredo Simões

Em maio de 2018, um grupo de cidadãos, todos eles figuras conhecidas da economia, da política e da universidade apresentaram publicamente, sob o patrocínio do Sr. Presidente da República, os resultados de um trabalho de reflexão que tinham desenvolvido desde o ano anterior. Este grupo ficou, então, conhecido por Movimento pelo Interior (MpI). Das suas reflexões ressaltaram 24 medidas de políticas públicas nas áreas de ciência, educação, ensino superior, fiscalidade e ocupação do território pela Administração de que foram dadas conhecimento às mais altas instâncias do Estado.
Três anos mais tarde, em 2021, voltaram a público para chamarem a atenção do governo: ”Com alguma decepção constatamos que pouco ou nada mudou de essencial para contrariar o paradigma do abandono dos territórios do Interior e da falta de confiança para o investimento” (jornal Público, 17 maio 2021).
Volvidos outros três anos, decidiram “dar uma nova vida e um novo impulso ao Movimento pelo Interior” e convidaram a Associação do Círculo de Estudos do Centralismo (https://acec.pt/) a “ponderar a possibilidade de integrar no seu seio a continuidade da reflexão e elaboração de propostas que contribuam para alterar o panorama de irracionalidade económica e social que consiste na contínua desertificação do interior e no correlativo congestionamento do litoral do país” (jornal Público, 15 fevereiro, 2024).
Ao longo destes seis anos, das 24 medidas de políticas públicas, alguma coisa foi feita e muitas ficaram por concretizar. Só isso terá justificado a vontade dos subscritores do Movimento voltarem a público de três em três anos. Fizeram-no agora, talvez, na pior altura, em plena campanha eleitoral com a convicção, creio, de que é um tempo privilegiado para a discussão das prioridades de desenvolvimento do país. Ainda não conseguimos assistir a essa discussão.
E o Interior?
Porquê esta preocupação pelo Interior? A resposta está implícita no documento de diagnóstico que os proponentes apresentaram em 2018, isto é, vivemos num país fortemente desequilibrado e que prossegue esse caminho mesmo depois da aplicação sucessiva dos fundos estruturais e de coesão europeus. Isto não significa que vivamos pior do que há 20 ou 10 anos atrás, mas tão só que o litoral continua a criar mais riqueza, a atrair mais investimento, mais equipamentos e mais pessoas do que o Interior. As disparidades acentuam-se malgrado tudo o que foi feito. As desigualdades aceleram o esvaziamento do Interior e daqui a uns anos continuaremos a representar 4/5 do território (ou mais se não travarmos a tempo o desnorte em que se está a tornar a concentração de pessoas e de recursos em torno das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto), tenderemos a ser uns 25% da população e criaremos muito menos de um quinto da riqueza gerada no País. A prazo estaremos a transformar um problema com solução ou, pelo menos, que pode ser mitigado num problema de soberania sobre uma parcela significativa do território nacional – hoje, isto é um exagero, claro, mas daqui a 20 ou 30 anos, sê-lo-á?
Devemos prosseguir o mesmo caminho ou deveremos refletir e alterar a trajetória de acordo com outro propósito?
As promessas políticas vão sempre no sentido de ‘olhar pelo Interior’ mas quando chega a hora não há dinheiro para mais e muito fica por concretizar (lembremo-nos do exemplo, que chega a ser caricato, do IP 3). Ou seja, o combate aos desequilíbrios territoriais entre Litoral-Interior não tem sido um objetivo político central da democracia, por muitas promessas que se façam durante as campanhas eleitorais ou por muito dinheiro que pretensamente seja ‘descarregado’ sobre o Interior.
Tem faltado ao País a convicção política, uma estratégia central (porque se trata de um assunto nacional e não de um qualquer problema do território A ou B) com um objetivo a longo prazo (2050? 2040?) e um programa de desenvolvimento territorial continuado, persistente, que coloque no centro da sua ação o combate aos desequilíbrios territoriais. Isto implica políticas públicas centrais, multissetoriais (rede de infraestruturas, medidas discriminatórias favoráveis ao Interior, fiscais ou de apoio à fixação de investimento e de pessoas qualificadas, sejam no âmbito da saúde, da educação, da habitação, etc.), políticas que entendam o papel determinante das cidades na concentração de serviços, inclusive serviços culturais ou de lazer, que permitam ganhos de competitividade dos territórios envolventes, ou ainda políticas que estimulem a criação de instituições locais/regionais com competências e recursos humanos, técnicos e financeiros capazes de gerarem pensamento e decisões mais qualificadas, mais inovadoras – precisamos de tornar os nossos territórios mais densos, do ponto de vista institucional, e mais participativos em termos pessoais.
Para além desta perspetiva, importa que cada parcela do território tenha capacidade, competência, para que a aplicação das políticas públicas ‘centrais’ possa ser cruzada com políticas públicas locais/regionais. Os territórios são diferentes, não têm passados uniformes, possuem recursos físicos ou outros que os distinguem quanto aos modos e à intensidade como cada um poderá usar os instrumentos ao seu dispor. Somos vários ‘interiores’ e, por isso, será importante, agora que vivemos num período eleitoral, que os nossos representantes no ‘centro político’ sejam ‘mais autarcas’ e ‘menos governadores civis’, apesar de poderem ter de cumprir as duas funções.
Dos nossos representantes devemos esperar que combatam a visão, as ideias centralistas que ainda contrariam os desejos e as necessidades de desenvolvimento do ‘Interior’, ao fim de meio século após o 25 de abril. Também por isso, é simbólico que o MpI tenha convidado a Associação do Círculo de Estudos do Centralismo a “ponderar a possibilidade de integrar no seu seio a continuidade da reflexão e elaboração de propostas que contribuam para alterar o panorama de irracionalidade económica e social que consiste na contínua desertificação do interior e no correlativo congestionamento do litoral do país” (jornal Público, 15 fevereiro, 2024). O cerne do problema do nosso desenvolvimento está no centralismo.

 O cerne do problema está no centralismo

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