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Os aviõezinhos de papel

 Os aviõezinhos de papel
03.10.22
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 Os aviõezinhos de papel

Vai seguramente para mais de uma década que o aeroporto da capital é assunto da agenda política, sem que os respectivos e sucessivos governos cheguem a uma conclusão.

É triste, mas é verdade. Ou é o alargamento do aeroporto Humberto Delgado, ou é Alcochete, ou é Montijo, ou é Beja, ou é, pasme-se, Santarém. Já agora, com um pouco de esforço e boa vontade, Coimbra. D. Dinis, do seu túmulo régio, no mosteiro de Odivelas, desfar-se-ia do elmo e da cota de armas, e adentrado pelos cândidos caminhos trovadorescos, arte em que também foi príncipe, rejubilaria de real contentamento e luzida felicidade.

Ou é o ecossistema, ou é o ruído, ou são as acessibilidades, ou é a legislação, tudo é um estorvo e um empecilho, tudo serve para pôr um travão no andamento.
Imagine-se a bizarria de uma só câmara municipal ter nas suas mãos o poder de impedir uma obra de interesse nacional! Em que país civilizado haveria legislação tão caducada e tão enfeudada a interesses locais?

Nós somos um empecilho, ungidos com uma inveja doentia, que faz corar o mais ingénuo dos mortais.

Arrastar-se esta questão sem que se vislumbre uma solução que agrade ao governo e silencie a oposição, só pode significar demérito dos interlocutores chamados à discussão.

E tenho para mim que este demérito não tem nada a ver com competência técnica ou política dos intervenientes, antes e só porque cada um pensa e age mais adossado aos interesses partidários do que comprometido com as vantagens nacionais.

O mesmo é dizer que os movem muito pouco os interesses patrióticos e em demasia os objectivos partidários. A uns e a outros, ao longo dos anos, indistintamente.

Às vezes, mais parece que o que importa é que não se avance, e que tudo fique na mesma.

Se é só pela pueril vontade de os ministros deixarem os seus nomes colados no alcatrão da pista, que se corra então com gente tão básica nos propósitos.
Agora, se bem sustentada técnica e financeiramente, por que carga de água há-de uma infra-estrutura tão estrategicamente relevante quanto esta, carecer do “sim” da oposição para avançar em paz e sossego? E por que razão há-de a oposição, esta ou outra, encontrar escolhos em tudo o que é obra de monta?

Para mim, conviria que uma construção desta envergadura, que atravessará mais que uma legislatura, tivesse o apoio do maior número de partidos, mas tal não sendo possível, que não seja a discordância a razão do entrave. Isso significaria receio, insegurança, indecisão, defeitos que não calham bem a quem tem de tomar decisões.

Mas é confrangedor que, em Portugal, as grandes infra-estruturas sejam anunciadas com pompa e circunstância, como se fosse arte acabada, e depois se arrastem no tempo, demorando anos a ver a luz do dia.

É assim com o aeroporto, é assim com a ferrovia de alta velocidade. É assim com quase tudo o que verdadeiramente interessa ao país.

Debatem de mais e fazem de menos, palram de mais e executam de menos.
Somos uma gaiola de papagaios palradores, que tropeçam nas palavras e contornam as grandes obras.

Por tudo isto e mais, somos um país adiado, frequentado por um povo conformado e pacífico, que assiste de bancada às tropelias e diabruras de uma meia dúzia de medrosos a quem nem as vestes do poder dão o necessário arrojo e o esperado arreganho.

 Os aviõezinhos de papel

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