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Chamam-lhes muitas vezes subsídios, mas desengane-se o leitor: não o são, e dizê-lo ainda é ignorar a realidade. Os apoios para o sector artístico e cultural são uma ferramenta protagonista na política cultural tal como ela existe no nosso país, com um sector artístico que se caracteriza por um grupo alargado de criadores e uma rede relativamente limitada de espaços de criação. Os apoios para a criação artística são mecanismos dirigidos à sociedade civil para responder a um dos seus direitos fundamentais: o da fruição artística. Mas a quem se dirigem, ao certo, estes apoios?
Há uns anos, um amigo resolveu-me esta interrogação: dirigem-se ao público. Os apoios para a criação artística têm como destinatário final o público, respondendo ao direito de que já falámos e que nos devia tocar a todos; ao mesmo tempo que responde à liberdade de expressão artística que deveria atravessar a sociedade.
Na declaração anual de 2023, a Direcção-Geral das Artes, o organismo que atribui por concurso público os apoios a este sector, anuncia onze aberturas de concurso para criação, programação, internacionalização, mediação, edição, a Representação Oficial Portuguesa na Bienal de Veneza, o apoio complementar Europa Criativa, o programa de apoio em parceria focado nos temas “Artes pela Democracia” e “Arte e Coesão Territorial”, a Rede Portuguesa de Arte Contemporânea e a Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses. No total, está previsto um montante de €15.010.000. É manifestamente pouco dinheiro para tanto projecto. Especialmente se pensarmos que estes quinze milhões, servem para alimentar o serviço público de cultura.
A tudo isto chamamos apoios, ou programas de apoio, mas precisamos de os enquadrar: são formas de investimento público em que o Estado, reconhecendo que não é a entidade competente pela criação de “produtos” artísticos, cria protocolos com quem se especializou nessa área. E faz isso através de um processo de concurso. Em princípio, respondem a uma estratégia do Governo para garantir esse direito de fruição e criação artística, para marcar presença nacional em festivais e exposições de relevo a nível internacional, para alargar o alcance de público de uma criação. O discurso político sobre o sector artístico raramente é claro, por isso não podemos dizer ao certo o que espera o Governo deste sector; estas palavras que escrevo, não transportando nenhuma revelação, destinam-se a oferecer a quem não conhece o contexto uma visão geral de uma proposta que promete uma grande imparcialidade do Estado na atribuição de apoios – que se baseiam, bem ou mal e em princípio, em elementos concretos e quantificáveis. Não é perfeito; na verdade, revela-se injusto, insuficiente, e há muitas pessoas que criam e pensam a Arte de uma forma desafiante e que, apesar de toda a qualidade artística, acabam por não se integrar neste sistema. Acima de tudo, este contexto é marcado por uma enorme precariedade, com os criadores obrigados a pensar por ciclos, sempre à beira da incerteza. Os exemplos são vários, e em todas as edições dos apoios pontuais ou plurianuais é notícia alguma histórica estrutura de criação que se confronta com uma súbita interrupção de financiamento. Apesar de todas as tentativas para concretizar os factores de avaliação das candidaturas, destes apoios fará sempre parte uma certa subjectividade.
Não sei se será possível reunir consenso nas avaliações de candidaturas neste contexto. Eu próprio já recorri do resultado de concursos, e creio que esta é uma experiência transversal. O consolo que pode haver para isso é a reunião de todas as evidências de que o processo é feito com a seriedade que merece. Estes programas talvez sejam o grande pilar da política cultural portuguesa, e merecem estar à altura da sua importância. Nem sempre é assim. Todos os anos há atrasos e tropeções indesculpáveis. Neste momento, paira no ar a possibilidade de um atraso nos resultados que é absolutamente assassino. Recentemente, um conjunto de instituições lesadas pela falta de clareza na gestão destes apoios arregaçou mangas e avançou mesmo com uma acção em tribunal contra o Ministério da Cultura.
Em Viseu, o modelo de apoio Eixo Cultura Viseu replica este processo. E vai a fundo nessa réplica – repetindo as falhas e os erros. Também há atrasos e faltas de clareza neste processo. Há um júri independente, opção que saúdo (apesar de estranhar que não seja anunciada a sua composição no regulamento), mas este júri não apresenta nenhum esclarecimento sobre as avaliações feitas às candidaturas (como acontece no concurso da DGArtes). Não sei, provavelmente espera-se que as equipas dos projectos recebam as avaliações sem querer saber a razão porque são altas ou baixas as suas notas. E, se quisermos acesso aos documentos de avaliação em nada esclarecedores, temos de pagar. Até um exame no Ensino Secundário é mais transparente. Evidentemente, isto só pode resultar em desconfiança por parte dos agentes artísticos – em relação ao modelo de apoio, e até entre si. A ausência de clareza das instituições tem contribuído para um estilhaçar do sector, com as pessoas a organizarem-se em bolhas e bairros artísticos, a gerar inimizades e cisões.
Mas partilho uma experiência: quando estamos em palco, somos sensíveis ao conjunto da plateia. O público pode influenciar uma cena. E nem sempre a sua influência é boa. A experiência ensina-nos que nessas ocasiões o que nos salva é a contracena – seguramos o sentido do espectáculo, a sua essência e estrutura, por nos apoiarmos uns aos outros enquanto actores.
Traduzido para o contexto da vida fora do palco: num sector cada vez mais preparado para responder com seriedade às injustiças e fracassos da política cultural, cada vez mais preparado para oferecer alternativas, contribuímos para a confiança e o bom sucesso destes programas quando somos exigentes e interventivos, quando geramos pensamento e discussão, quando pedimos esclarecimentos, quando nos interessamos pela realidade dos outros, quando reconhecemos o que realmente nos segura – e contracenamos.