P’ia Fora com António Alvarenga, o homem do futuro que escolhe viver no presente

Este é mais um episódio do P’ia Fora e, desta vez, o passeio faz-se pelas ruas e memórias de Viseu, numa deslocação curta, mas cheia de histórias. Conduzido por André Albuquerque, ficamos a conhecer António Alvarenga — economista, escritor, professor e especialista em estudos do futuro — mas, acima de tudo, uma pessoa de ideias.
O encontro começou pontualmente e na casa de infância de António Alvarenga, situada na antiga Quinta do Moinho de Vento, um espaço que, outrora, se estendia por grande parte da cidade. “Isto era tudo olival e não havia quase construções”, recorda António, enquanto aponta para os limites que iam até Marzovelos e à Praça de Goa.
Entre memórias de vindímas, castanheiros e livros herdados dos tios, o professor fala de uma infância com muito espaço para imaginar e observar. “Passei muito tempo sozinho, o meu irmão nasceu 11 anos depois, mas acho que isso me deu alguma capacidade de lidar com o mundo com tempo e imaginação.”
A conversa segue até à Escola do Massurim, onde frequentou a primária. Ali, as memórias cruzam-se com personagens marcantes da infância, como Ulisses, um jovem cigano de 17 anos que frequentava a mesma escola primária e que António recorda com carinho. “Gostava muito de o reencontrar. Era um tipo espetacular, muito calmo e resolvia todos os conflitos”, lembra.
O nosso convidado reflete ainda sobre as diferenças de época, lembrando como, há algumas décadas, era comum existirem grandes discrepâncias de idades entre colegas de escola e até situações marcantes, como colegas que, após meses de ausência, regressavam com bebés ao colo.
Se Ulisses estiver a ouvir, fica o apelo: que se reencontrem.
Em Viseu, o nome António Alvarenga está associado a momentos decisivos da vida local: militar, governador civil, presidente de câmara por um breve período, fundador do abastecimento de águas à cidade e responsável pela criação do quartel no Parque. Um homem de causas e de serviço público, que participou na Primeira Guerra Mundial e cuja memória perdura, inclusive, numa fotografia histórica a cavalo branco e numa rua que hoje carrega o seu nome.
Mas as raízes familiares não ficam por aqui. A avó, mulher culta e de espírito livre para o início do século XX, educou os filhos em casa, tocava piano e viajou pela Europa, cultivando artes, línguas e ideias que eram, então, raras no universo feminino. Já do lado paterno, outro nome relevante: o arquiteto Rodrigues, responsável por várias das obras emblemáticas de Viseu nos anos 60, vindo do Porto para se afirmar como um dos primeiros profissionais com formação académica formal a exercer na cidade.
É neste ambiente de cultura, memória e participação cívica que António encontrou o seu próprio caminho, entre as artes e os estudos sobre o futuro. Mestrado em Estudos Económicos Europeus em Bruges, experiência no Parlamento Europeu, passagem pelo Ministério do Planeamento em Portugal e, desde então, uma carreira dedicada à análise e construção de cenários de futuro para organizações e instituições.
“O futuro, aparentemente, não existe, mas afeta-nos imenso”, explica. “As grandes decisões do presente são profundamente influenciadas pela ideia de futuro que temos. Eu trabalho esse fenómeno: perceber que futuros estamos a imaginar, se são sólidos, se assentam em boas práticas e evidências ou se se baseiam em medos ou otimismo excessivo”.
E se o futuro é o seu ofício, as artes são o espaço de liberdade onde a imaginação encontra o pensamento crítico. “A performance e o teatro permitem-me questionar a separação entre concepção e execução, entre plano e improvisação. Tal como na vida: o mundo é uma mistura de ambas e é nesse lugar que nos situamos”.
Quando questionado se preferiria viajar para o passado ou para o futuro, responde: “O presente é o único tempo onde podemos efetivamente mudar as peças de sítio. É aqui que as decisões acontecem e é nele que escolho estar”.
Mas neste presente, há ainda muita história que Alvarenga carrega em si e que pode ouvir no podcast que está disponível nas nossas plataformas digitais.