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Margarida Benedita
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1. A morte medicamente assistida é um assunto muito doloroso. Só o tratei aqui no Olho de Gato duas vezes:
— a primeira foi em 6 de Março de 2009, já lá vão catorze anos, num texto intitulado “Dor”, onde descrevi e elogiei a lei holandesa e defendi que era necessário “debater de uma forma alargada e serena” este “tema que encerra em si todas as angústias do mundo”; então era tabu entre nós e assim continuou durante mais sete anos;
— a segunda vez foi em 12 de Fevereiro de 2016, estava a acontecer um debate público sobre a eutanásia, iniciado por um grupo de cidadãos; nesse texto assinalei que o Supremo Tribunal canadiano tinha acabado de dar um ano às autoridades para operacionalizarem a morte medicamente assistida, já que “negar o acesso à eutanásia é uma violação dos direitos humanos”.
Chegados a 2023, será que desta vez é de vez? Será que Portugal vai finalmente ter uma solução para as pessoas com uma doença incurável e que não querem uma vida que lhes traz um sofrimento insuportável e nenhuma perspectiva de tratamento ou de diminuição da dor?
Os deputados têm aperfeiçoado as várias propostas de lei, respondendo às objecções do Presidente da República e do Tribunal Constitucional.
A última versão introduziu uma novidade assim descrita por Marcelo Rebelo de Sousa: “o doente não pode escolher entre suicídio assistido e eutanásia, pois passa a só poder recorrer à eutanásia quando estiver fisicamente impedido de praticar o suicídio assistido”.
Esta “inovação” introduzida à última hora na lei é positiva, o seu pioneirismo vai ser olhado e estudado no mundo, dar precedência ao suicídio assistido evita a banalização da eutanásia que infelizmente está a acontecer nalguns países. No suicídio assistido há a expressão absoluta da vontade do doente, e é essa vontade reiterada, informada, consistente e persistente, que deverá estar sempre presente, sem nenhuma espécie de dúvida, na morte medicamente assistida.
2. Como foi amplamente noticiado, esta semana Marcelo Rebelo de Sousa “decidiu devolver à Assembleia da República, sem promulgação” o Decreto sobre a morte medicamente assistida e, ao que tudo indica, a maioria dos deputados vai reconfirmar o texto, o que obrigará o presidente a promulgar o diploma no prazo de oito dias.
É nestas situações que se percebe a divisão de poderes no nosso regime semi-presidencialista: o PR exerce o poder moderador que, nas monarquias constitucionais, é atribuído ao rei.
Marcelo, ao vetar esta lei, salvou a sua face católica-apostólica-romana, e essa lei vai ser na mesma aplicada porque essa é a vontade maioritária do poder legislativo.
Em Março de 1990, o rei Balduíno I, da Bélgica, abdicou do trono durante dois dias para não ter de promulgar a lei do aborto, mas não é crível que o nosso presidente/rei faça o mesmo com o suicídio assistido e a eutanásia.
Se o fizesse também não haveria problema: o presidente da assembleia da república, Augusto Santos Silva, tem a tinta necessária na sua caneta para assinar uma lei tão necessária e tão angustiante.
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Margarida Benedita
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