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Joaquim Alexandre Rodrigues
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Helena Barbosa
Consumada a transferência de competências das Direcções Regionais de Cultura (DRC) para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), muitas são as apreensões e – podemos dizê-lo – os perigos que se anteveem. Este processo mais amplo de “descentralização”, no qual se insere a transferência de competências da administração pública central para as autarquias locais, a par da reestruturação orgânica da Direcção Geral do Património Cultural (DGPC), configura um modelo de gestão com lacunas e incongruências que compromete o dever do Estado, consagrado na CRP, de “proteger e valorizar o património cultural do povo português”.
Importa referir que, depois de apresentado o chamado “pacote de descentralização” em 2017, que à época originou debates, audições e tomadas de posição de várias estruturas e profissionais do sector, que convergiram na rejeição do modelo proposto para o património cultural, não mais houve debate público sobre a matéria. Revisões orgânicas desta natureza e profundidade deveriam contar com a audição prévia e contributos de todas as entidades públicas envolvidas, dos cidadãos em geral e das organizações que representam o património cultural e seus profissionais, porém, tal não se verificou. Foi com surpresa que o sector se confrontou com a implementação brusca desta reforma, em 2022, ao ponto de se ter procedido à reconfiguração de praticamente toda a orgânica de gestão do património cultural sem que se conheçam no concreto as novas competências de cada uma das estruturas, entre muitas outras incógnitas que acompanham este processo. Por essa razão a Cultura ficou isenta de cumprir o cronograma definido para as restantes áreas governativas que serão integradas nas CCDR.
Uma das questões que continua por responder diz respeito à própria relação entre tutelas, uma vez que não se prevê nenhuma tutela interministerial. Sendo as CCDR tuteladas pelo Ministério da Coesão Territorial e o património cultural afecto ao Ministério da Cultura, como se irá operar a articulação entre as CCDR e a DGPC? Qualquer intervenção no património arqueológico requer apreciação e autorização da DGPC, portanto as CCDR – e as autarquias locais, que assumem a gestão de alguns monumentos e sítios arqueológicos – terão sempre de reportar centralmente a actividade no âmbito da Arqueologia. Há dias regozijava-se o presidente da Câmara Municipal de Viseu com a possibilidade de, doravante, se acelerarem as decisões relativas a intervenções na Cava de Viriato (Monumento Nacional cuja gestão será transferida para a CMV). Desengane-se, pois obriga a lei e assim define a Resolução do Conselho de Ministros de Dezembro de 2022 que tais acções sejam submetidas à apreciação da DGPC. Prevê-se uma gestão do património cultural muito mais complexa e pesada, menos eficaz…e mais centralizada. Estamos, pois, perante uma falsa descentralização, até porque as CCDR não respondem a qualquer organismo com membros directamente eleitos pelos cidadãos no plano regional. Acrescente-se ainda que a ausência de um enquadramento ministerial unificado compromete a existência de uma tutela consequente, capaz de definir e promover estratégias e políticas de âmbito nacional para o sector.
O primado da decisão técnica, especializada, baseada no conhecimento científico e norteada exclusivamente pelo interesse público de salvaguarda do património cultural deve ser assegurado, contudo, a actual reforma não acautelou devidamente este princípio. A transferência de competências de uma entidade especializada para organismos, cadeias hierárquicas e processos de decisão sem especialização técnica e científica (sejam as autarquias locais ou as CCDR, ambas com um espectro de intervenção diverso e abrangente), fará diluir as necessidades, especificidades e procedimentos fundamentais no tratamento e gestão do património cultural. Não está previsto que os directores de serviços nomeados para a área da Cultura, no seio das CCDR, sejam da área do património cultural, portanto é provável que decisões nesse âmbito sejam tomadas por pessoas sem competências técnicas e/ou científicas para esse efeito, ou mesmo que tenham interesses em áreas conflituantes. Trata-se de um verdadeiro retrocesso em matéria de gestão patrimonial. Ainda que à escala regional, Portugal passará a ser o único país da Europa sem instituições especializadas na área do património cultural.
Esta reforma acarreta ainda um potencial risco de conflito de interesses e falta de transparência dos procedimentos e decisões, na medida em que se aglutinam na mesma entidade dois planos de actuação que carecem de absoluta separação e independência: por um lado, competências de promoção, execução e apreciação de projectos, por outro, competências de licenciamento e fiscalização. É muito questionável que estas atribuições possam ser exercidas em regime de independência técnica, tendo em conta os interesses em conflito, do ponto de vista económico, político e social. Está, pois, por clarificar a transferência de competências de gestão e fiscalização do património arqueológico, bem como o licenciamento e gestão do património cultural classificado ou em vias de classificação e respectivas zonas de protecção.
Determina o projecto do Governo que a gestão, valorização e conservação dos museus não nacionais transitem para as autarquias locais. Ora, são amplamente conhecidos os escassos meios técnicos e materiais da generalidade dos museus (inclusivamente dos museus nacionais) e não estão garantidos os recursos financeiros para suprir as necessidades. Como poderão as autarquias locais, particularmente as de menor dimensão, assumir a gestão de colecções museológicas, espólio arqueológico e demais encargos que, pela sua natureza, exigem equipamento específico e a constituição de equipas multidisciplinares, com técnicos especializados? O projecto do Governo estabelece igualmente que as câmaras municipais assegurem a “gestão, valorização e conservação do património cultural que, sendo classificado, se considere de âmbito local” – uma formulação dúbia e controversa. Cabe perguntar se o património classificado não representa em si mesmo um valor cultural para o todo nacional. Quais as fronteiras, afinal, que definem o “âmbito local”? À semelhança dos museus, também os monumentos e sítios carecem de investimento e protecção urgente. Transferir a sua gestão para as autarquias, sem garantir os meios necessários, constitui uma grave desresponsabilização e irresponsabilidade do Governo.
O património cultural enfrenta há largas décadas problemas crónicos e estruturais cuja resolução exige políticas públicas nacionais e consistentes. É imperativo que a gestão patrimonial seja dotada de um verdadeiro investimento em quadros e meios técnicos especializados e que se criem organismos com efectiva presença no território. A reforma em curso empurra-nos no sentido inverso do progresso, do interesse público e do direito de todos os cidadãos à salvaguarda e usufruto do património cultural.
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Joaquim Alexandre Rodrigues
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Jorge Marques
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Helena Barbosa
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Raquel Costa, presidente da JSD Concelhia de Tarouca
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Joaquim Alexandre Rodrigues