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O Trigo Limpo Teatro ACERT apresenta esta sexta-feira às 21h45 a peça que estreou ontem, quinta-feira, no Auditório 2. O espetáculo, “Museu do Esquecimento ou Vamos Mudar o Mundo”, foi criado com base na obra de Afonso Cruz, transportando o público para um mundo onde ser feliz é uma busca infinita para a criança que há em cada um.
A dramaturgia ficou a cargo de Pompeu José e de Catarina Requeijo, sendo esta a primeira vez que ambos trabalham em conjunto. “Quando acrescentamos alguém ao processo é sempre enriquecedor. Com a Catarina foi muito bom, porque lemos os textos que escolhemos do Afonso Cruz, que eram para a infância e a juventude, e quando sublinhámos depois de ler descobrimos que coincidíamos em quase tudo o que tínhamos escolhido”, explicou Pompeu José. “Houve ali logo um entendimento e o refazer de uma nova história a partir desses textos foi muito gratificante.”
“Foram os textos do Afonso Cruz que nos transportaram para este universo do espetáculo que acabámos por fazer. Além disso, tentámos concentrar ainda mais o universo do Afonso Cruz, não numa obra, mas com vários pedaços, mas em que a história reforçasse aquilo que ele já tinha escrito”, contou. A peça desenrola-se em torno de três atos interligados entre si.
O primeiro ato aborda uma loja de pássaros durante uma guerra, que acaba por se tornar num abrigo fora do comum no meio do conflito. O facto de a loja de pássaros permanecer aberta originou uma ligação com a rotina criada por aqueles que vivem atualmente na Ucrânia, onde “as pessoas mantinham as suas rotinas mínimas, por vezes em situações absurdas no seu essencial”, de acordo com Pompeu. Na altura em que a peça foi escrita, ainda não tinha eclodido o conflito na Faixa de Gaza, guerra esta que espelha, para o dramaturgo, um retrocesso da humanidade.
“O Afonso Cruz tinha escrito num dos livros uma situação de guerra em que há alguma normalidade e a questão da Ucrânia tinha que ver com isso. Parece que às vezes víamos que no meio daquele caos se criavam rotinas”, contou. “Este texto do Afonso Cruz ainda é mais poético ou surrealista porque durante a guerra um idoso mantém aberta a loja de pássaros e vende pássaros, o que acaba por ser uma contradição total.” Para Pompeu José, a situação na Faixa de Gaza “é um pouco mais cruel ainda, se é que já não havia crueldade que chegasse”.
O ato principal do espetáculo centra-se no texto “Vamos Comprar um Poeta”, ainda que com algumas alterações. Nesta história a filha de uma família decide comprar um poeta, figura esta que vai mudando lentamente a dinâmica familiar. Nesta família, tudo é calculado, uma referência à sociedade consumista do mundo ocidental. O próprio pai da família, de acordo com Pompeu, representa um contabilista e tudo o que tem que ver com finanças e economia. “É a filha que acaba por sentir necessidade de comprar um poeta. Este lado simbólico acaba por provocar na família algumas alterações. O espetáculo não apresenta soluções, só coloca questões, mas coloca esta questão”, continuou. “Se deixássemos entrar mais a cultura no nosso dia a dia será que não íamos refletir de maneira diferente?”
Para o dramaturgo, tanto esta história como a dos pássaros representam a ausência de liberdade e a aceitação das restrições que nos são impostas enquanto membros de uma sociedade. “É uma normalização de um quotidiano consumista e de uma sociedade que não tem sentido nenhum para o dia-a-dia. O Afonso Cruz escreve poeticamente e ironicamente, que é aquilo que eu acho muita piada. Ele consegue fazer rir com as contradições deste mundo”, considerou o dramaturgo. Ao contrário da história original de Afonso Cruz, na peça que é exibida na ACERT, o filho não fica em casa. “Ele, para se desculpar, quando lhe perguntam o que é que tem para não querer ficar ali, diz que está apaixonado. O pai pergunta-lhe quanto e ele responde 70 por cento, uma prova em como tudo é medido”, explicou.
A terceira parte da peça gira em torno do desejo de mudar o mundo, através de uma reflexão sobre a educação das futuras gerações. Para o dramaturgo, a esperança na mudança está nos mais novos, sendo que esta parte da peça aborda algumas reivindicações das futuras gerações, num encontro com os próprios atores do espetáculo. “São uma espécie de personagens mais genuínas e que vão reivindicar aquilo que as crianças reivindicam. Queremos casas para toda a gente, queremos ser felizes, onde é que está essa felicidade? A última parte é muito isto, uma brincadeira muito séria sobre o que uma criança quer e ela desconstrói muito aquilo que é o dia-a-dia”, afirmou Pompeu.
“É irmos dentro de nós próprios. Se perguntássemos claramente e não tivéssemos de colocar as contas na balança, as contas para pagar e tudo o resto que nos prende, o que é que nós dizíamos? Acho que se conversássemos todos cinco minutos um bocadinho as conclusões eram diferentes”, disse o dramaturgo, que considera ser esta a provocação do espetáculo – a reflexão sobre a ausência de liberdade e de felicidade, com uma pitada de medo à mistura. “No fim, quando o pai sai a filha vai ver o caderno dele, que acaba por ter lá um verso escrito. Ela diz que se calhar a única coisa que o pai dela tinha era medo e se calhar a grande parte da humanidade o que tem é medo”, contou.
Embora a estreia do espetáculo aconteça entre ontem e esta sexta-feira, um público muito especial pôde assistir ao desenvolvimento da peça, desde a sua criação até à sua materialização no palco. Uma turma de 3º ano pôde presenciar três momentos distintos. A leitura da peça quando era ainda uma ideia no papel, um ensaio do espetáculo e uma apresentação final. “Ver pequeninos de oito anos a ouvir aquilo e depois o que eles escreveram a seguir é deslumbrante”, confidenciou Pompeu José.
“Aqui o que nos levou a estar com os mais pequenos foi criar um jogo cénico que os cativasse. Não ter medo de brincar em cena e sobretudo não termos medo de ser mais crianças”, concluiu.