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Fragmentos de um Diário – 1 de Abril de 1980

 Fragmentos de um Diário - 1 de Abril de 1980
18.12.21
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 Livros que tenho lido: o “Segundo sexo” de Simone Beauvoir, em que a autora desmascara certos mitos, abre brechas em muitas certezas na nossa maneira de aceitar a mulher; As crónicas romanceadas de Fernando Namora; Obras de Bertrand Russel; De Nietzsche, o “Assim falava Zaratustra” e o “Anticristo”;  “Mitologias” de Roland Barthes; Muita poesia, sobretudo a de Nuno Júdice e Ruy Belo; Romancistas como Virgílio Ferreira, Augusto Abelaira, Somerset Maugham, Jack Kerouac; A chamada Nova Filosofia e a Antipsiquiatria.
Muito leio. Encho o cabaz do espírito. Talvez um dia não precise de ler tanto. Talvez um dia me refugie numa montanha e pastoreie as minhas ovelhas e cordeiros, e um cajado me baste para a leitura do pó e das pedras dos caminhos. Talvez um dia a Fátima me procure.

14-Abril-1980

        Hoje, no fim das férias da Páscoa, a minha prima dá-me uma surpresa. Afirma que a outra está apaixonada por mim. Exato. Fiquei perplexo, até porque quase não estive com ela. Vi-a no domingo e quase não lhe liguei. E no dia seguinte, segunda-feira de Páscoa, apenas trocámos um olá e pouco mais. Não estava para aí virado. Indiferente às solicitações. O que é o amor? Ou poderei pensar que a minha reserva é que terá despoletado esta reação. Vá lá saber-se do coração humano. Mas, pergunto, o que é que significará esta paixão? Que conteúdo conterá? O que é a paixão? O que eu sentia pela Fátima não era paixão, e, no entanto, que píncaros não alcançámos com a natureza ontológica do nosso sentimento. O que é que esta tem para partilhar comigo, para além do encontro físico, da pele, dos sentidos? Hei-de falar com ela, um dia, se a chama da dita paixão aguentar uma ausência. Ela vive em Lisboa. E só o que é raro e de ouro suporta tal distância. Não acredito na durabilidade do seu sentimento. Será volúvel, como ela é em quase todos os aspetos. Mas é bonita e o belo sensibiliza-me. Tocar o belo é aproximar-nos do divino. Mas, por outro ângulo, assim vamos desperdiçando a vida, em cenas fugazes, efémeras, sem a plenitude diáfana do esplendor.

 Fragmentos de um Diário - 1 de Abril de 1980

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