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27 de 04 de 2024, 13:00

Diário

25 de Abril: Campanhas que abriram estradas e levaram cultura às aldeias

Em Castro Daire, a campanha de esclarecimento e dinamização cultural também ajudou a debelar um surto de brucelose

castro daire

Fotógrafo: D.R.

Quando os militares chegaram às aldeias do interior do país para ações de esclarecimento, depois do 25 de Abril, encontraram populações isoladas ainda a viver no antigo regime, subordinadas aos interesses de párocos e caciques locais. “Nos tempos imediatos ao 25 de Abril, durante a vigência do general Spínola, os militares estavam impedidos de sair dos quartéis. Mas no 25 de Abril, não se apresentaram de mãos vazias, tinham um programa que era o programa do MFA (Movimento das Forças Armadas), onde estava bem definido o que se pretendia para o país”, disse o capitão de mar e guerra Manuel Begonha, que coordenou campanhas de esclarecimento e dinamização cultural. “Era preciso falar às pessoas, dizer quem éramos, o que pretendíamos, o que tinha sido exatamente o 25 de Abril, que haveria eleições e que deveriam votar”. Nessas incursões, os militares fizeram-se acompanhar por artistas, que levaram às aldeias, teatro, cinema, circo, música, pintura. As campanhas desenvolveram-se em diferentes fases, tendo a componente civil que acompanhou os militares na primeira etapa ajudado a interagir com as populações. No interior do país, viviam portugueses que não se tinham apercebido do 25 de Abril e da mudança de regime. Os militares foram preparados para atenderem aos costumes locais. “Muitas vezes quando tentávamos chegar a certas aldeias, havia padres menos interessados em que lá fossemos e que mandavam tocar os sinos a rebate”, lembrou. Corria que os militares eram comunistas e que iam para as aldeias roubar os crucifixos, o ouro, e levar as crianças para a Rússia. Em Castro Daire, desenvolveu-se uma campanha, que, além de deixar infraestruturas básicas, ajudou a debelar um surto de brucelose. “As pessoas não tinham uma tubagem para ir buscar a água para regar a terra, não tinham um caminho sequer para o cemitério. Levavam os mortos às costas. Numa autarquia com 201 aldeias, apenas três ou quatro tinham iluminação elétrica, o resto estava às escuras”, testemunhou o coronel Cruz Fernandes, ao descrever o cenário que encontrou. Deparou-se também com a dificuldade que o povo tinha em vender as cabeças de gado, face ao sistema vicioso instituído pelos regatões [negociantes], “em conluio” com o veterinário de Lamego. “Olhavam para os animais que estavam bons e diziam ´essa já tem brucelose, se me a quer vender, dou-lhe tanto´, e batiam com cajado no chão. Esse sinal servia para que os outros regatões na feira não abordassem aquele, para que ele acabasse por lhe vender pelo preço que lhe tinha oferecido”. Um dia, subiu a um palanque e mandou suspender a venda. Passada uma semana, regressou com uma equipa apetrechada para vacinar e testar os animais, atribuindo aos donos um atestado, do qual seguia cópia para os serviços veterinários de Viseu. Em Castro Daire, a equipa que liderava abriu 17 estradas, para servir outras tantas aldeias. O padre que se deslocava a Póvoa de Montemuro aproveitou para passar a cobrar a missa mais cara, ao fazer a viagem de carro. O que para o militar foi uma surpresa, para a população nem tanto. “Então o homem estudou e nós não temos de o manter?”, questionou uma mulher, entre o povo que reunira para tentar explicar que a medida do sacerdote não se justificava. Castro Daire, recordou, era um concelho às escuras, embora atravessado por uma linha de alta tensão para servir São Pedro do Sul. “Estava às escuras, com uma exceção, o lugar onde vivia o cacique, esse tinha eletricidade”, referiu. Engenheiro eletrotécnico de formação, Cruz Fernandes reuniu os elementos para montar um plano que permitisse levar rapidamente energia elétrica àquelas aldeias. Foi novamente à capital, de onde regressou com uma equipa de topógrafos. “Trabalhei com os engenheiros, fizemos 17 projetos – não fizemos mais porque viemos embora – e Castro Daire passou a ser um dos concelhos a ter iluminação completa”, concluiu.