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Rita Mesquita Pinto
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Jorge Marques
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Diogo Pina Chiquelho
Foi recentemente apresentada ao público a suposta Rota que o célebre castelhano Diego de Torres Villarroel teria trilhado entre Salamanca e Compostela, na sua multifacetada Peregrinação que realizou ao Tumulo de “ al Glorioso Apóstol Santiago de Galicia” em 1736 ou 1737.
Certamente que muitos outros milhares de pessoas também fizeram tal Peregrinação, até porque nunca é demais lembrar o que o povo dizia: “quem não fosse a Santiago em vida teria que lá ir depois de morto”. O Sr. Diego Torres, como um ilustre cidadão castelhano, nado criado e estudado em Salamanca memorizou a sua viagem num romanceado poema e, vai daí, já em pleno século XXI, quiseram “batizar” o percurso dos ancestrais Caminhos de Santiago, por ele efetuado, pelo titulo “Caminhos de Torres”,desconsiderando tantos outros milhares de peregrinos que, ao longo de séculos, por lá anónimamente passaram.
Os Caminhos não não do Sr Torres mas sim de Santiago. E é com as marcas iconográficas próprias do Apóstolo (muitas delas ainda agora existêntes no terreno) , que eles estão sinalizados e eu direi mesmo, certificados.
E, se tal como está descrito no poema, “a epopeia do Torres” é iniciada em Salamanca (Espanha) e termina em Compostela (Espanha), esta desenrola-se esmagadoramente em território português, precisamente ao longo do ancestral caminho, que encurtava bem mais a distância do que se fosse, continuamente, trilhado em território espanhol.
É um dado adquirido e (bem) provado pelos sinais existentes nos velhos e autênticos caminhos, que essa via provinda de Castela, com características romanas e alto-medievais foi bem coteada por Peregrinos de Santiago (e mais tarde da Senhora da Lapa), atrevessava terras da Beira e do Douro e dirigia-se para o Minho e dalí para a Galiza, passando, com toda a certeza, em Almeida, Pinhel e Trancoso.
E vou-me quedar, por agora, em Trancoso, pois é aliás, a partir daqui – Trancoso – que vou ousar tecer algumas considerações sobre o que consta no Roteiro apresentado, remetendo-nos, alegadamente, para o percurco calcarruado pelo Dr. Torres Villarroel.
Vejamos, entretanto, os seguintes aspetos:
A dita “viagem-peregrinação” foi realizada em 1736 ou 1737. (Há dúvidas em qual dos anos, efetivamente, se realizou; mas não me vou imiscuir nessa incerteza das datas). Faço questão, sim, de ter em linha de conta que, por essa altura, o Santuàrio de Nossa Senhora da Lapa ainda nas mãos de jesuítas, ostentava o galardão do mais célebre Santuário Mariano da Peninsula Ibérica e do 2º mais importante, a seguir ao de Santiago de Compostela.
A fazer fé no que diz a Introdução ao texto do sr. Torres, feita por Jacobo Sanz Hermida (Salamanca, Liberia Cervantes, 2003), “No sorpremderá al lector moderno, familiarizado com la estrafalaria biografía del doctor don Diego de Torres Villarroel, que en su dilatada vida hubiera existido um hueco para visitar algunos de los principales santuarios de nuestro país (entenda-se, em meu ver, País – com significado de Peninsula Ibérica), y entre ellos, ciertamente, el del Apóstol Santiago.” E sublinho na citação : “principales santuarios”.
Mas voltemos a Trancoso:
Uma nota de roda pé da Introdução atrás citada diz também que “En el Convento de San Francisco de Trancoso le asaltó la segunda enfermedad de su exilio, una calentura ardiente, que agraciadamente encontró cura durante su estancia en Ponte do Abade…”
Julgo que esta assim como outras notas, deveriam ter sido tomadas em linha de conta na elaboração do traçado do “Caminho” apresentado. Estou ciente ser um facto incontestável que o Velho Caminho Romano e Alto-medieval seguia de Trancoso para Sernancelhe; aliás duas importantes Comendas da Ordem dos Hospitalários ( mais tarde chamada de Malta), com os apoios necessários aos peregrinos. Mais, Sernancelhe ostenta na sua matriz uma das mais antigas esculturas de Santiago, que se conhece. Todavia, o “fenómeno da Lapa”(desculpem chamar-lhe assim), a partir de 1498 veio alterar significativamente os caminhos transversais e não só, sobretudo quando se dá a proximidade do Santuário, como é o caso a partir de Trancoso. Ponte do Abade passa a integrar uma outra rota mais curta em direção à Lapa, pois, diga-se em abono da razão e da verdade que “quando são as pernas a contar os quilómetros” não há lugar para fazer voltas e reviravoltas “por entreposta conveniência”, a não ser em busca de apoios (comida, descanso a higiene e os cuidados de saúde possíveis à época). A própria Ponte do Abade, (porque do “abade de Cernancelhe”), tal como outras da região, (nomeadamente , sobre os Rios, Távora, Paiva, Vouga, Barosa, Côvo, Balsemão, etc) teria sido construída, também, com o propósito de servir os Peregrinos da Senhora da Lapa. A Monografia do Ab Vasco Moreira “Terras da Beira Cernancelhe e o seu Alfoz publicada em 1929, refere-se a ela como sendo do século XIV, numa tentativa de a comparar com a da Ucanha. Mas é nitidamente diferente e de data posterior, ( certamente após 1498).
Com o ilustre peregrino a vir de Trancoso para Ponte do Abade, (isto é uma certeza documentada), certamente que não teria passado por Sernancelhe, mas sim (creio eu ) pelo Granjal até á Lapa. (Aliás há quem defenda que o Sr Torres teria estado na Lapa durante o seu exílio em Portugal, e que conhecia bem aquelas paragens).
Mas, então, se ele passou pela Lapa porque não o refere no seu poema?
– Talvez a resposta esteja explicada naquilo que ele refere numa outra Peregrinação a um Santuário Mariano, em que diz:“no fue objecto poetico (porque) la materia lo impossibilitaba – se trataba de la devotissima imagen de uma Virgen”, facto que demonstra um enorme respeito que ele tinha pelos Santuàrios Marianos, como era o caso da Lapa. E ele brincou que se fartou no seu texto poético com esta Peregrinação a Santiago.
Mesmo admitindo a possibilidade de não ter ido à Lapa, certamente, que uma vez atrevessado o Távora, teria continuado pela margem esquerda do Rio, e não fazer um desvio que ficava bem caro às pernas. A paragem seguinte deveria ter sido Leomil e não Moimenta da Beira.
Tenhamos sempre em consideração que as redes viárias dessa altura não eram as do século XX (ou XXI), e os centros administrativos também o não eram. Aliás, é de espantar que Leomil tivesse ficado de fora quando era de passagem (e paragem) obrigatória. Dispunha de apoios (albergues) e a própria matriz é dedicada a Santiago, tal como acontece com Passô.
Parece-me, pois, haver uma certa leviandade, bem ao sabor de forçar itinerários de conveniência, em pleno século XXI, levar o Dr Torres por percursos em que ele de certeza não passou. Nem ele nem muitos dos transeuntes que peregrinavam rumo a Compostela.
De resto, certezas mesmo, só as localidades mencionadas no seu texto, também referidas no estudo de Jacobo Sanz Hermida: “Desde Salamanca pertió hacia Ciudade Rodrigo Y desde alli al Fuerte de la Concepción, Almeida, Pinhel, Trancoso, Ponte do Abade, Lamego, Braga, Valença do Minho, Tuy, por fin, Santiago de Compostela”.
E se foram introduzidas “alterações de entrepostas conveniências” nos Percursos: Trancoso – Sernancelhe e Sernancelhe – Moimenta da Beira como atrás tentei justificar, também as houve nos seguintes, designadamente, no de Lamego para Mesão Frio. Já lá vamos.
Nas últimas décadas temos assistido a propositadas “alterações de entrepostas conveniências”(esta designação é minha), que também encaixam bem na designação “política peregrinesca” que aparece numa curiosa citação publicada no estudo de Jacobo Sanz Hermida, embora enquadrada num outro contexto, mas que bem se pode aplicar ao que, nos tempos atuais se tem feito com a marcação dos ancestrais Caminhos de Santiago. Tal citação, referindo-se a ao italiano Nicola Albani “que marchó en dos ocasiones a Santiago (1743 y 1745, dejando constancia manuscrita de lo que llamaba “politica peregrinesca”. En este mismo ambiente, y pocos años antes, Torres recreará el Romance de se “indevota” peregrinación, según sus proprias palabras”. Hoje não é o mero desejo circunstancial do manuscrito, mas outros interesses mais altos se levantam por detrás desta distorção da originalidade.
Voltando aos traçados que vemos escritos no referido Roteiro apresentado, seria muito mais assertivo, porque documentado no terreno, se a designação do troço fosse, Leomil –Lamego (e não Moimenta da Beira-Lamego), passando por Passô (Igreja Matriz de Santiago) e Britiande (onde a Cruz de Santiago figura numa das faces do seu Pelourinho).
Mas, na minha humilde e singela maneira de ver, é no Percurso de Lamego –Mesão Frio que se encontra um dos erros mais crassos deste documento. E o que me leva a afirmá-lo com tanta certeza é o facto de haver uma teimosa e persistente inclinação em levar os Caminhos de Santiago a atrevessarem o Douro na Régua, esquecendo factores das realidades da época, que nos dizem, claramente, não ser bem assim. A Régua passa a ser uma confluência de vias sim, mas só depois da construção da primeira ponte (a de ferro), inaugurada em 1 de Dezembro de 1872. Até lá, quem ia de Lamego ou Magueija (também esta é Terra de Santiago) para Mesão Frio, atravessava o Douro, em barcaças, de Barrô/Penajoia para Moledo (ou Barqueiros) onde as passagens para peregrinos eram de graça “por amor de Deus”. Leia-se pag. 138 “Memória do Rio para uma História da Navegação do Douro, de Gaspar Martins Pereira e Amândio Morais Barros, Edições Afrontamento Lda, Janeiro de 2001). Neste local chegou mesmo a haver a tentativa da construção de uma ponte, a mando da Raínha D Mafalda, (mulher de D Afonso Henriques), a velha “ponte de Barqueiros. Lembremos a propósito esta passagem: “por “abaxo d’hum logar que chamam Barro, e esta em terra pera onde a mor parte das estradas d’Antre Douro e Minho, e alguas de Trallos-os-Montes, e as da Beira podaim ir ter pera pasagem na dita ponte”. A ponte cuja construção foi iniciada, nunca chegou a existir, mas ficaram as barcaças a substituí-la para a travessia do Douro sob protecção régia. Havia, também, uma pousada, em Barrô, de apoio aos Peregrinos.
E por aqui me fico nestas atrevidas, (mas documentadas) considerações sobre o percurso trilhado pelo Dr Torres de Salamanca.
Não ouso “meter ceitora em seara cujos eitos não conheço”, porque a minha prospecção no terreno ainda não atrevessou o Douro. È que muitas “das provas” ainda estão nos lugares de origem, algumas delas embrenhadas na vegetação e no mato que se apoderaram de muitos troços dos verdadeiros caminhos de antanho. Outras já foram mudadas para locais mais visíveis nas próximidades. È uma questão de as procurar e falar com elas. Elas são as reais e autênticas testemunhas.
Jorge Oliveira Pinto
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Rita Mesquita Pinto
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Diogo Pina Chiquelho