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por
João Ferreira da Cruz
Desde o início do século XXI que Portugal vive uma espécie de encantamento com a ideia de descentralização. Há quem lhe chame reforma estrutural, há quem a veja como inevitável. A verdade é que o país tem avançado — aos solavancos — num processo que promete aproximar o Estado dos cidadãos, transferindo competências da Administração Central para os municípios. Mas há um problema que se torna cada vez mais evidente: esta descentralização não vem acompanhada de poder real.
A Lei n.º 50/2018, aprovada sob um governo socialista, marcou o ponto de partida para a chamada nova vaga descentralizadora. Educação, saúde, ação social, cultura e habitação foram algumas das áreas transferidas para os municípios. À superfície, o Estado parecia estar a tornar-se mais leve e mais próximo. Mas, na prática, muitos autarcas descobriram que as novas responsabilidades vinham sem os meios necessários — nem humanos, nem financeiros.
Esta é, aliás, a crítica mais recorrente por parte de autarcas e especialistas: está-se a descentralizar competências sem descentralizar recursos. O resultado é uma sobrecarga para muitos municípios, sobretudo os de pequena e média dimensão, que já enfrentam dificuldades estruturais. As autarquias assumem novas funções, mas continuam amarradas a um modelo de financiamento fortemente controlado pelo Estado central. Não é de estranhar que o processo seja visto por muitos como uma descentralização “a custo zero”, que mais parece um alívio para os cofres centrais do que um verdadeiro reforço da autonomia local.
O atual Governo da Aliança Democrática promete corrigir esta rota. No seu programa, a descentralização é apresentada como um eixo estratégico, a par da desburocratização e da responsabilização. Fala-se em rever a Lei das Finanças Locais, reforçar a justiça fiscal e dar mais previsibilidade orçamental às autarquias. Mas até agora, as promessas não passaram do papel. E a crítica socialista — agora vinda da oposição — é clara: sem avaliação rigorosa e sem financiamento adequado, esta descentralização pode agravar as desigualdades em vez de as corrigir.
O problema é estrutural. Em 2020, as receitas fiscais próprias dos municípios representavam apenas 38,6% do total das receitas locais. A restante fatia provém, sobretudo, de transferências do Estado, como o Fundo de Equilíbrio Financeiro e o mais recente Fundo de Financiamento da Descentralização. Os principais impostos municipais — IMI, IMT, IUC e derrama — são relevantes, mas estão limitados por regras definidas a nível nacional. Os municípios pouco podem fazer para ajustar a fiscalidade às realidades locais.
Enquanto isso, países como a Suécia, Dinamarca ou Finlândia adotam modelos em que as autarquias têm liberdade para definir impostos sobre o rendimento pessoal, representando até 60% das suas receitas. Na Alemanha, os municípios beneficiam de uma base fiscal diversificada e têm instrumentos próprios para promover o desenvolvimento económico. E em França, apesar da tradição centralista, tem havido uma valorização crescente das receitas locais — ainda que nem sempre isenta de polémica.
Portugal encontra-se num meio-termo desconfortável: descentraliza funções, mas não confere verdadeiro poder fiscal. Em 2023, dois terços do crescimento das receitas autárquicas vieram de transferências do Estado, não da capacidade de gerar receita localmente. Estamos a criar um poder local dependente, sem margem de manobra, e com pouca capacidade para responder às exigências crescentes dos cidadãos.
Esta dependência fragiliza também a legitimidade democrática do poder local. Eleitos que não têm meios próprios para executar as suas políticas tornam-se meros gestores de encargos, e não agentes de transformação territorial. O princípio da subsidiariedade, consagrado na Constituição, transforma-se assim numa bela ideia… sem consequência prática.
Se queremos um Estado verdadeiramente descentralizado, precisamos de um novo pacto para o financiamento local, assente em quatro eixos fundamentais: alargar a base tributária dos municípios; rever o modelo de transferências estatais com critérios transparentes e justos; reforçar a capacidade técnica das autarquias; e criar um pacto fiscal envolvendo Estado, municípios, parlamento e sociedade civil.
As eleições autárquicas de 12 de outubro de 2025 representam uma oportunidade para este debate ganhar força. Não se trata apenas de escolher presidentes de câmara. Está em causa um novo modelo de governação. Os cidadãos devem exigir mais do que promessas: devem exigir que o poder local tenha, finalmente, poder real.
Porque, sem autonomia fiscal, a descentralização não passa de um mito confortável. E os autarcas, por mais competentes ou visionários que sejam, continuarão com as mãos atadas.
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João Ferreira da Cruz
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Joaquim Alexandre Rodrigues
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Vítor Santos
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Joaquim Alexandre Rodrigues