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Quem visita o Douro não se cansa daquelas paisagens que, muitas vezes, imaginamos quando pensamos num destino único no mundo. Na verdade, segundo muitos, a melhor palavra para o descrever será talvez ‘sossego’. Não porque não se passa lá nada, mas porque ali se ouve o mais bonito dos silêncios. E já sabemos: socalcos empilhados ao milímetro, videiras a cobrir a encosta como se de um manto se tratasse e o rio. O rio Douro a ditar as margens que ali definem os terrenos. Há 20 anos, foi classificado Património Mundial da Humanidade. Há quem diga que a distinção trouxe visibilidade à região, mas há também quem defenda que ainda há trabalho por fazer.
É o caso de Maria Manuel Cyrne, proprietária da Quinta de Casaldronho Wine Hotel, uma unidade hoteleira que já está há 19 anos no Douro. “Nota-se um aumento de turistas e a procura, embora não seja ainda nada significativo da nossa parte, nota-se realmente desenvolvimento”, começou por nos dizer, por entre a azáfama do seu dia a dia.
Perguntámos-lhe o que, a seu ver, atrai turistas para a região. Com uma paixão que não conseguimos descrever em palavras, disse-nos que a classificação Douro Património Mundial da UNESCO “engloba todos os vinhedos, esta paisagem montanhosa mas ao mesmo tempo em socalcos, penso que é uma coisa única no mundo. O rio Douro também tem muitos aspetos positivos e depois, o vinho”.
E por aí continuou: “cada vez mais, as pessoas viajam com interesse no vinho e na gastronomia. Realmente, nós conseguimos produzir vinhos maravilhosos e a forma de receber das gentes também é muito especial, muito acolhedora, quase familiar. O turista quer seja português ou estrangeiro, valoriza muito essa atitude”.
A seu ver, “temos todos os ingredientes para sermos uma região de sucesso e que, sem dúvida, que somos”, ainda que seja “necessário sermos ainda mais conhecidos porque apesar de ter havido alguma evolução, continuamos a lutar vivamente para que as coisas andem ainda mais para a frente”, frisou.
Ao olhar de um alojamento, o maior desafio é a sazonalidade que filtra os turistas em certas alturas do ano. “A partir de outubro até final de abril, é muito duro porque temos que manter a nossa estrutura e ainda há aquela ideia de que são zonas frias, embora tenha uma paisagem absolutamente deslumbrante e haja muito para fazer, desde provas de vinho a sítios turísticos para visitar”.
Quanto ao Governo, na sua opinião, “era preciso virar-se muito mais para esta região que é uma região que tem meia dúzia de empresários que fazem um enorme esforço para se manterem”, além de que “era importante o turismo tentar repensar o Douro porque tem um potencial enorme e que não está explorado, não está divulgado”.
Para Maria Manuel, o investimento na região seria uma das chaves para abrir a porta para um “novo Douro”. “O turismo em Portugal é muito Lisboa, Porto e Algarve. É altura de se virarem um bocadinho para o Douro, acho eu, porque realmente nós teríamos aqui uma segunda Napa Valley que é um destino de luxo de eleição, com uma potencialidade brutal e nós não ficamos atrás. Temos tudo isso, é preciso investir e dá-lo a conhecer”, sublinhou.
Nas Montanhas do Douro, concelho de São João da Pesqueira, o desafio da sazonalidade também se repete. Abertos há cerca de dez anos, disseram-nos que “a procura tem sido crescentes e que “cada vez mais há pessoas a procurar este tipo de sítios pelo sossego, experiências gastronómicas e vinhos”.
A parte complicada, segundo Isabel Caetano, proprietária do alojamento, “acaba por ter algum isolamento que provoca alguma sazonalidade”, algo que dá uma nova paisagem a um Douro sem turistas que é “basicamente a agricultura e o modo de vida dos habitantes de cá”, concluiu.
E rumámos, de novo, a Lamego. No hotel Six Senses Douro Valley, aberto desde 2015, há agora “um produto diferente que pretende proporcionar experiências autênticas a quem nos visita” com a Quinta de Vale Abraão de pano de fundo. A ideia é fundir-se na própria natureza para deixar o Douro Património (quase) a nu. Segundo a relações públicas da unidade hoteleira, “acho que a nossa oferta foi capaz de captar muito mais clientes, se bem que o Douro também se transformou num destino de preferência do mundo inteiro, coisa que não acontecia antes”.
Para o hotel Six Senses Douro Valley, “acho que seria importante que outras cadeias viessem para o Douro e, quando digo isto, estou a falar de cadeias de cinco estrelas porque acho que é para aí que devemos ir”, considerou.
A seu ver, o futuro passa por “afirmar o Douro como destino de luxo e não massificar com barcos que sobem o rio e quem não deixam nada na região ou com hotéis que, eventualmente, sejam construídos”. E, por isso, o trajeto “nunca seria para a massificação, mas muito mais para a especialização dentro da oferta turística que devia ser criada aqui no Douro”, sustentou.
“A única coisa que é importante de sermos classificados como Património Mundial é que quem nos visita vem com a certificação de que vai para um sítio que é obviamente bonito e único no mundo”, afirmou, frisando que o Douro “é um lugar único que tem uma magia particular”.
E o olhar dos autarcas da região?
Já são 20 anos de classificação de Douro Património Mundial da UNESCO e Carlos Santiago, presidente da Comunidade Intermunicipal do Douro, diz que esta “é talvez a maior marca que temos em Portugal, marca de turismo, marca Douro, marca vinho, marca paisagem, marca património, marca literatura”, além de que, a seu ver, “tem conseguido agarrar o futuro, mais naquilo que chamamos a dinâmica privada porque no que diz respeito ao investimento público, estamos aquém daquilo que são as nossas necessidades”.
No seu entender, “todos os grandes investimentos rondam sempre os grandes centros urbanos e esquecem-se do interior, nomeadamente deste interior norte, uma região de excelência que é uma grande marca de referência mundial que é o Douro”.
O também presidente da Câmara de Sernancelhe diz ‘sim’ à comemoração do “património mundial com todas as suas virtudes, mas é preciso perceber também quais são os seus defeitos e o transtorno que os defeitos podem ter causado, e qual tem sido também o olhar que os sucessivos Governos têm tido para esta região do interior”.
Deu-nos como exemplo o despovoamento do interior e a “saga” da Linha do Douro. “Acho que não é normal discutirmos uma Linha do Douro há tantos anos, sabendo nós que é uma região de excelência turística, uma região de excelência grande produtora de vinho e nós não conseguimos, até hoje, passar do papel e passar da conversa que é discutir uma Linha do Douro”, disse, como se um desabafo se tratasse.
E os exemplos continuam como se estivesse a folhear um livro: “mais uma vez, foi relegado para o próximo quadro comunitário de apoio a requalificação da linha Marco-Régua, Régua-Pocinho. É a falta de investimento, é a falta de estratégia que este país tem para uma grande parte do território nacional e, neste caso, para a região do Douro”, destacou.
“Podemos estar mais evoluídos, obviamente que estamos. Mas, estamos mais distantes daquilo que é a evolução europeia, isso é que me preocupa”, lamentou, recordando que “vai valendo muito a dinâmica privada no Douro que agradecemos”.
Em poucas palavras, disse-nos a parte da solução para estes constrangimentos: “quando um dia deixarmos de ser hipnotizados, digamos assim, pelo sul provavelmente Portugal entrará naquilo que é o desenvolvimento integrado. Enquanto os governantes se deslocarem de óculos de sol e vierem de Lisboa com óculos de sul, não vamos ter essas oportunidades”, concluiu.
Para Francisco Lopes, presidente da Câmara de Lamego, a distinção “trouxe muitos benefícios e, sobretudo, uma visibilidade enorme da região na sua componente paisagística e na sua componente vitivinícola”, mas também “é evidente que há constrangimentos que decorrem da necessidade de preservar o bem que está classificado, isso é um aspeto que tem de ser assumido”.
O autarca defendeu que os constrangimentos que se sentem na região podem vir a ser vantagens porque, segundo o mesmo, “podem contribuir para valorizar o bem ao investir na região”, algo que se poderá “traduzir num aumento da procura turística, numa valorização dos nossos vinhos e produtos locais, numa valorização dos próprios terrenos que estão inseridos numa zona classificada. É nessa perspetiva que nós temos que os ver”.
À semelhança do presidente da CIM do Douro, Francisco Lopes exemplificou: “temos uma ligação a uma estação de tratamento de águas residuais para fazer. Custa 30 mil euros e se nos impuserem fazer o abastecimento não por linha aérea, mas por linha subterrânea que custa 300 mil, aí temos um problema efetivo que teremos que ponderar”.
E a questão permanece: o que é mais importante? “É preservar a paisagem só pela paisagem, não lhe introduzindo nenhum tipo de intrusão ou introduzir uma intrusão que é fundamental para cumprir outros valores, nomeadamente de serviço à população e à sua qualidade de vida?”, lançou.
A distinção também trouxe consigo uma evolução a nível arquitectónico. “O que se fazia na região há vinte ou trinta anos era bastante mau e o facto de se obrigar, por via da classificação, à intervenção de um arquiteto em todos os projetos, houve também uma melhoria muito qualitativa das intervenções que são feitas no território”, lembrou.
“Não há aqui só vantagens, nem há constrangimentos que não possam ser no futuro benéficos para a região. Têm que ser bem trabalhados”, afirmou.
Na sua opinião, os problemas de fixação de população são transversais a grande parte do território nacional e a região até tem captado novas gentes. “Ainda que pontualmente, temos captado muitos quadros qualificados, muitos casais jovens que optam por se instalar na região com projetos vitícolas ou turísticos e que se calhar não o fariam se a região não tivesse esta capacidade de atração por ser Património da Humanidade e por ter tido recentemente um desenvolvimento muito grande da componente turística e vínica”, justificou.
Pedimos-lhe ainda para descrever o Douro pelas palavras de um autarca da região. Ficaram apenas estas palavras: “o Douro é paisagem, é vinho, é uma cultura muito própria que aqui foi desenvolvida ao longo de milénios e que tem hoje uma afirmação muito relevante no panorama mundial das regiões vitivinícolas. O Douro é hoje também turismo e, por isso, será naturalmente desenvolvimento e qualidade de vida para a sua população”.
As comemorações dos 20 anos da classificação do Douro Património Mundial da UNESCO arrancam a 14 de dezembro, prolongam-se por um ano e incluem a estreia de uma ópera e um prémio de boas práticas de viticultura.