Autor

Lúcio Campos

25 de 04 de 2024, 10:27

Colunistas

“50 anos do 25 de abril: cravos, liberdade e democracia”

O receio e o medo deram lugar à confiança e à alegria. As pessoas começaram a sair à rua, a reunir-se, a falar sem reservas, partilhando abraços e sorrisos francos…

lucio campos

Para alguém como eu, uma criança que, como muitas outras, se sentava nos bancos da Escola Primária da Avenida, o dia da revolução foi, sem dúvida,

“(…) a madrugada que eu esperava
o dia inicial inteiro e limpo
onde emergimos da noite e do silêncio
e livres habitamos a substância do tempo” (Sophia)


Abril iria alterar profundamente o nosso rumo, modo de vida e perspetivas futuras. Não o sabíamos então, nem tínhamos como saber, pois, no ar pairavam sentimentos de desconfiança, de ansiedade, de tensão que se espalhavam entre as pessoas, cada uma delas aguardando ansiosamente o desenrolar dos acontecimentos com o coração apertado… muito apertado!
A incerteza quanto ao que se seguiria, o medo do desconhecido e que futuro nos estava reservado dominavam a mente de todos nós. As notícias chegavam em catadupa, rápidas e confusas, o que alimentava ainda mais os receios e as preocupações quanto ao que viria a seguir. Seria uma mudança para melhor ou para pior?! As perguntas sem resposta e os olhares inquietos e desconfiados refletiam o pulsar de uma sociedade em transição.
No entanto, com o avançar do tempo, esta atmosfera carregada não tardou a ceder espaço a novos sentimentos que começaram a espalhar-se pelas ruas e praças desta cidade e do país: a esperança e a liberdade. A notícia da queda do antigo regime espalhava-se a uma velocidade estonteante, enchendo de emoção e felicidade os corações daqueles que, por tanto tempo, haviam ansiado por esta mudança.
O receio e o medo deram lugar à confiança e à alegria. As pessoas começaram a sair à rua, a reunir-se, a falar sem reservas, partilhando abraços e sorrisos francos…seguiu-se, um mar de cravos, cravos vermelhos, que inundaram as ruas e vielas, substituindo o negrume do autoritarismo pelo colorido do caminho da liberdade.
Uma das maiores conquistas de Abril foi, sem dúvida, a afirmação da liberdade de expressão, de pensamento e de opinião, foi o virar de página do obscurantismo na educação, na saúde, na ciência e na qualidade de vida dos portugueses. Foi um marco significativo na História de Portugal, representando não apenas uma mudança política, mas também uma transformação profunda na mentalidade e na forma de ser dos portugueses.
A pergunta impõe-se: E se a revolução não tivesse acontecido? Muito provavelmente, Portugal permaneceria estagnado nas sombras do autoritarismo e da opressão, a liberdade de expressão continuaria sufocada, as vozes dissidentes teriam sido silenciadas, a guerra nas colónias poderia ter persistido por mais tempo, resultando em mais sofrimento humano e estagnação económica. A minha vocação (e paixão) pela Instituição Militar não me teria libertado da condição de Soldado, militar de carreira, que por certo me teria levado a participar numa guerra colonial injusta e sem sentido e, quem sabe, ter-me-ia roubado a juventude e até a própria vida! Pertenceria a umas Forças Armadas intimamente ligadas a um regime ditatorial, com uma estrutura hierárquica rígida e uma cultura de obediência estrita, bem como a um Exército utilizado como um instrumento de repressão interna e defesa do regime, em vez de servir os interesses democráticos do meu país.
De facto, determinante nesta minha opção de carreira foi, sem dúvida, a ação e postura dos militares de abril, com a sua determinação, coragem, disciplina, firmeza e humanidade demonstradas e testemunhadas por um povo sofrido, mas com um orgulho imenso nestes agentes de mudança, vistos como heróis e defensores deste mesmo povo, dos direitos humanos e da Democracia.
Sem abril, os nossos filhos não teriam tido acesso a um sistema de educação moderno e inclusivo, de carácter obrigatório e universal, concorrendo com os melhores sistemas europeus e mundiais. Não teriam tido acesso a uma diversidade de cursos e estabelecimentos de ensino que lhes permitem optar por carreiras atrativas, de acordo com as suas verdadeiras expectativas, quer em Portugal como no estrangeiro. Recorde-se que nos anos 70 a taxa de analfabetismo em Portugal se situava perto dos 30%, mais acentuada entre as mulheres, e o ensino superior só estava ao alcance de uma elite privilegiada.
Sem abril, provavelmente, também nunca teria sido criado o Sistema Nacional de Saúde (SNS), que garante o acesso universal dos portugueses aos cuidados de saúde, independentemente da sua condição financeira, com equipamentos médicos modernos e de alta tecnologia, dotado de profissionais com elevada formação, sensibilidade e conhecimento. Em 1974 a esperança de vida só chegava aos 68 anos e a taxa de mortalidade infantil rondava os 40%!!
Este “dia inicial inteiro e limpo”, símbolo de valores e princípios como a coragem, a determinação, a resistência, a união e progresso, deverá ser visto como uma importantíssima fonte de inspiração para as gerações futuras… e, acima de tudo, um alerta para que nunca mais regressemos a esse passado!
Valeu a pena? Sem dúvida! Pois, “a democracia é o pior dos regimes políticos, à exceção de todos os outros” (W. Churchill)


Coordenador do Centro de Apoio Social
de Viseu do Instituto de Ação Social das Forças Armadas