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25 de 03 de 2023, 09:00

Cultura

A Guerra Colonial a partir de cartas e dos silêncios que ficaram, em cena na ACERT

No Dia Mundial do Teatro a associação cultural de Tondela recebe o espetáculo "Cartas da Guerra", que aborda a Guerra Colonial a partir das cartas de ex-combatentes e dos silêncios mantidos na época

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Fotógrafo: ACERT/Carlos Gomes

A Associação Cultural e Recreativa de Tondela (ACERT) apresenta na próxima segunda-feira (27 de março), Dia Mundial do Teatro, a peça “Cartas da Guerra (61-74)”, um espetáculo que aborda a Guerra Colonial a partir das cartas de ex-combatentes e dos silêncios mantidos na época, num conflito que marcou os últimos anos do Estado Novo português.

O pai do encenador do espetáculo, Ricardo Correia, trocou aerogramas diariamente com a sua mulher durante o tempo em que esteve mobilizado na Guiné-Bissau, entre 1972 e 74, tendo decidido queimar tudo após regressar, contou à agência Lusa o também dramaturgo.

Em “Cartas da Guerra (61-74)”, Ricardo Correia parte desse lugar autobiográfico, a escrever “em cima das cinzas” da correspondência trocada entre os seus pais, e dá também voz a outros testemunhos, apoiado na investigação da documentarista Joana Pontes e do seu livro “Sinais de Vida”, em torno da correspondência durante a Guerra Colonial.

No espetáculo, além dos testemunhos de ex-combatentes e da correspondência trocada com familiares, há também referências à “Odisseia” de Homero e um recurso ao ChatGPT, ferramenta de inteligência artificial que funciona como um ‘chatbot’.

“O meu pai tinha uma pequena mala onde guardava algum arquivo, como cartas e imagens do tempo em que esteve mobilizado, e havia ali um mistério para mim. Na nossa casa, falou-se muito pouco sobre a guerra, que foi tão marcante para a geração deles, mas não era partilhada, era até silenciada, por opção, em alguns casos”, notou.

Sem acesso aos aerogramas trocados diariamente entre os seus pais, Ricardo Correia escreveu a partir “das cinzas”, “daquilo que não existe, do que ficou por dizer e do que ficou apagado”.

Todo o espetáculo, apesar de recorrer a documentos, factos e testemunhos reais, acaba por ser um exercício de imaginação e ficcionalização, que procura ocupar os silêncios que foram sendo deixados.

“Há um silêncio e eu tento ocupar esse silêncio. A peça é quase como um detetive à procura das palavras que foram trocadas, das sensações que viveram. Imaginamos algumas cartas, outras são factuais”, sublinhou Ricardo Correia.

No meio do processo de escrita, perante a mediatização do ChatGPT, o criador acabou por recorrer àquela ferramenta de inteligência artificial, utilizando para o espetáculo uma conversa registada com o 'chatbot', que acabou por contaminar com ficção, transformando o ChatGPT numa “figura humanoide”.

Neste espetáculo, serão convidados ex-combatentes para lerem cartas ou darem o seu testemunho em palco, num momento da peça.

O espetáculo é coproduzido pela ACERT, pelo Cineteatro de Estarreja e pelo Teatro Académico de Gil Vicente (Coimbra). Sobe ao palco às 21h45 de segunda-feira em Tondela.

Um grito de alerta sobre os incêndios florestais neste domingo
No domingo (dia 26) a ACERT recebe o espetáculo “Sob a Terra” às 18h00. A peça da companhia Leirena Teatro toca na temática dos incêndios florestais e conta a história de uma aldeia e das suas gentes em três capítulos, numa terra onde a irresponsabilidade e a ignorância imperam, mesmo quando há quem procura chamar a atenção face ao perigo.