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Se a aldeia tivesse mais gente, isto não seria tão dramático

Em Pepim há ainda muitas casas. Algumas à venda, outras visivelmente abandonadas, ainda outras com as janelas todas fechadas e algumas habitadas. As ervas é vê-las crescer

 Se a aldeia tivesse mais gente, isto não seria tão dramático
21.09.24
fotografia: Jornal do Centro
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 Se a aldeia tivesse mais gente, isto não seria tão dramático
08.10.24
Fotografia: Jornal do Centro
 Se a aldeia tivesse mais gente, isto não seria tão dramático

O senhor Adelino, o André e os senhor Manuel dominaram o incêndio na estrada que estava a chegar às casas junto a Carranqueiro, no concelho de Castro Daire. Em Pepim, a população estava em alerta e de mangueira na mão. Não eram muitos. “Aqui só há velhos e doentes”, disse Lucinda Pinto. Os mais novos têm 27 e 31 anos. Escolheram viver na pequena aldeia que já fez parte do antigo concelho de Alva que recebeu foral em 1514. Hoje, são pouco mais de 20 pessoas.

Lucinda Pinto consegue enumerar cada um dos habitantes. Os que estão a fazer hemodiálise, os que estão com próteses e os que já pouco se mexem nos seus mais de 80 anos de experiências.

Enquanto dizia onde cada um vivia, as chamas estavam a 30 metros da sua casa “guardadas” por seis bombeiros. “Se a aldeia tivesse mais gente, isto não seria tão dramático”, desabafou, enquanto lembrava um outro grande incêndio há quase três décadas. “Não ardeu tudo porque havia muita terra cultivada”. Na altura, havia mais gente para ajudar. “Eram mais pessoas”.

Em Pepim há ainda muitas casas. Algumas à venda, outras visivelmente abandonadas, ainda outras com as janelas todas fechadas e algumas habitadas. As ervas é vê-las crescer. “Alguns (habitantes) só passam cá meio ano. Outros só o fim de semana”, disse Lucinda.

Filipa Paiva tem 31 anos. É das poucas jovens que ainda vive na aldeia. “As minhas estufas de mirtilo e framboesas de certeza que arderam todas. Nem vou lá ver agora. Não dá”, contava, numa altura em que na encosta da Serra nada se via tanto era o fumo e as chamas. Foi das que decidiu ficar em Pepim, mesmo trabalhando longe da localidade. As plantações era uma ajuda para a sua subsistência com a maioria dos produtos para exportação. Tenta viver da terra mas o que aconteceu nos últimos dias foi “um golpe muito duro”.

 Se a aldeia tivesse mais gente, isto não seria tão dramático

A desertificação é apontada como uma das causas para as proporções que os incêndios nas últimas décadas têm tomado na região de Viseu, distrito que nos últimos dez anos perdeu 26.061 residentes. Castro Daire perdeu 10,45 por cento da sua população.

“O que se vê é que as pessoas estão a sair das zonas mais isoladas. A agricultura e a floresta já não são rentáveis. As aldeias ficam vazias de pessoas, vazias de interesse e as que ficam já são pessoas de idade avançada que não trabalham a terra”, refere Rodrigo Santos, sociólogo e um dos jovens que optou por “repovoar” o interior.

Desertificação, reordenamento do território e gestão da paisagem são temas recorrentes, principalmente quando há incêndios. Foi assim em 2017, em 2013, em 2005. Dizia-se que este ano seria o melhor da última década em termos de incêndio. Não aconteceu. Nos últimos dias a região de Viseu viveu, uma vez mais, momentos dramáticos. Nelas, Mangualde, Carregal do Sal, Penalva do Castelo, Castro Daire, S. Pedro do Sul, Vila Nova de Paiva, Resende, Cinfães foram alguns dos concelhos afetados pelos fogos que não deram tréguas a bombeiros e população.

O mesmo drama de outros anos, as mesmas discussões e sem soluções à vista.

“Estamos a viver o mesmo drama de 2017. Estamos a discutir os mesmo problemas de há sete anos e a falar de coisas que já nem deveríamos estar a discutir”, desabafou, desanimado, o presidente da Câmara de Mangualde no dia em que o incêndio que estava a lavrar em Penalva do Castelo tinha chegado em força ao seu concelho.

Para o autarca, ainda não é tempo de se falar de se tomarem decisões, mas há discussões que têm de ser feitas. “Houve, por exemplo, uma passagem de responsabilidades para as autarquias que são impossíveis de cumprir. Na gestão de terrenos e da limpeza, em muitas casos não há cadastros sequer”, observou.

Câmara de Nelas avança com um projeto de apoio à agricultura

Já o presidente da Câmara de Nelas mostrou-se satisfeito com os apoios anunciados pelo Governo, numa reunião com vários autarcas, mas pediu agilização e desburocratização para que se possam apoiar rapidamente as pessoas.

“É importante haver uma maior agilização no tempo dos apoios e evitar a burocracia. Precisamos de dar uma resposta rápida às pessoas, que perderam os seus bens agrícolas e a sua economia familiar”, disse Joaquim Amaral (PSD).

O presidente da Câmara Municipal de Nelas explicou que as pessoas perderam os seus animais, a alimentação para aqueles que sobreviveram e o aprovisionamento da sua economia familiar.

“A primeira resposta tem de ser dada a estas pessoas”, reforçou.

Joaquim Amaral considerou ainda importante a “desburocratização dos processos e uma confiança nas autarquias”.

O autarca exemplificou com a existência de olivais e vinhas que arderam e que poderão não estar todos registados, “mas é do conhecimento de todos que existiam”.

“Mesmo que haja verificação e fiscalização, é preciso garantir o apoio”.

Depois, a preocupação será com os danos patrimoniais públicos e privados, acrescentou.

Joaquim Amaral revelou ainda que a Câmara de Nelas vai avançar com um projeto de ordenamento do território, de apoio à agricultura, “com um enquadramento no terreno em azulejos agrícolas”.

“Além de ser um incentivo à economia circular e de fixar população na zona florestal, estamos a tornar os territórios mais resilientes. Estes territórios têm de ser apelativos para quem investe. Não podemos mudar a orografia, mas é possível alterar aquilo que é o minifúndio”, precisou.

O ministro da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, prometeu hoje apoios “muito brevemente”, com prioridades para primeiras habitações e empresas, afetadas pelos incêndios.

“Apoios de maior vulto, apoios para a reconstrução de fábricas, de casas, esses aí é que não poderiam ter começado, mas vão começar muito brevemente. Se tudo correr bem, vão começar em prazos muito razoáveis”, afirmou Manuel Castro Almeida.

O ministro reuniu, em Mangualde, com sete autarcas da região de Viseu.

Sete pessoas morreram e cerca 120 ficaram feridas, das quais 10 em estado grave, devido aos incêndios que atingem desde domingo as regiões Norte e Centro do país, nos distritos de Aveiro, Porto, Vila Real, Braga e Viseu, que destruíram dezenas de casas e obrigaram a cortar estradas e autoestradas.

A área ardida em Portugal continental desde domingo ultrapassa os 106 mil hectares, segundo o sistema europeu Copernicus, que mostra que nas regiões Norte e Centro, já arderam perto de 76 mil hectares.

 Se a aldeia tivesse mais gente, isto não seria tão dramático

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