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Jorge Marques
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Magda Matos
Quando em 2014 dava os primeiros toques na bola, Miguel Monteiro estava longe de imaginar que, anos mais tarde, estaria a lançar o orgulho português nos maiores palcos internacionais. Mesmo que o convívio com o desporto tivesse começado desde tenra idade, com os pais a inscrevê-lo na natação.
A nova ida aos Paralímpicos, desta vez em Paris, no final de agosto, responde perfeitamente àquela pergunta que todos já fizeram pelo menos uma vez na vida: “O que te vês a fazer daqui a dez anos?”. O atleta da Casa do Povo de Mangualde, estará pela segunda vez no maior palco do desporto paralímpico a nível mundial.
A história no lançamento do peso em F4, prova para atletas de baixa estatura, começa a escrever-se há dez anos. E com o mesmo mestre: João Amaral. O “senhor João”, nas palavras de Miguel Monteiro. “O senhor João era encarregado do pavilhão municipal onde eu jogava futsal, nos Gigantes. Fez-me o convite para ir à experiência tentar o desporto adaptado a atletas de baixa estatura”, diz Miguel. “Fiz vários tipos de lançamento e optei pelo lançamento do peso. Acabei por ficar”, conta. E tudo começou aí. Até hoje.
Miguel e o treinador têm percorrido o mundo
A dupla mantém-se inquebrável e já passou pelos quatro cantos do mundo. A primeira viagem para o estrangeiro foi feita quando tinha 15 anos. Hoje tem 23. “Foi a Itália e foram duas semanas. Muito tempo. Os meus pais tiveram de habituar-se rapidamente a estas minhas andanças. E eu também. Acho que lhes custou mais a eles, porque eu, apesar de tudo, estava distraído nas provas e nos treinos”, refere o detentor da melhor marca do lançamento do peso: 11 metros e 60 centímetros.
E foi nos primeiros voos para as competições que João Amaral, se revelou fundamental para que os pais ficassem mais descansados. “O facto de o senhor João também ir, tranquilizava-os bastante”, reconhece Miguel. A dupla não tem parado e juntos já foram a provas em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Inglaterra, Alemanha, República Checa, Croácia, Dubai, China, Japão, Marrocos e Brasil.
Miguel Monteiro não tem dúvidas de que João Amaral foi fundamental para que lançasse a carreira o mais longe possível. “O sr. João tem um papel muito importante no meu percurso. Sem ele eu talvez não estivesse no atletismo. E depois acompanha-me todos os dias, mesmo quando estou a estudar em Aveiro. Ligo-lhe depois do treino a contar como correu, o que fiz. Ele acompanhar-me é muito importante”, frisa o atleta paralímpico.
Treinador e atleta são amigos, mas não concordam em tudo. Benfica e Sporting “separam-nos”
Para Miguel Monteiro, João Amaral “antes de ser meu treinador, é um amigo”. “Partilhamos muita coisa, os bons e os maus momentos. Conversamos sobre tudo. Já tivemos longas conversas, mais ou menos profundas. E discordamos. Não concordamos com tudo”, reconhece. Desde logo na preferência clubística, numa dupla pintada a dérbi. “Eu puxo mais pelo Benfica, ele pelo Sporting”, desvenda Miguel.
Rivalidade que João Amaral, garante, fica do lado de fora do treino. Até porque lá vai confessando que na parte que lhe toca, o “fanatismo” não é tão evidenciado. “Nunca nos chateámos por causa disso. Sou sportinguista, mas não sou fanático. O Miguel é mais do que eu (risos). Ele fica doente. Ui, Jesus!”, afirma, entre gargalhadas. Miguel Monteiro tem 23 anos, João Amaral completou recentemente 69. “É uma diferença abismal de idades”, reconhece o técnico. E para que essa diferença se esbata, João Amaral deixa a receita. “Tenho um respeito muito grande por ele. Chamo-o de senhor engenheiro e ele brinca comigo também”, sublinha.
A agenda de Miguel Monteiro está hoje preenchida. Para além dos treinos, está a tirar mestrado de Engenharia e Gestão Industrial, na Universidade de Aveiro e frequenta um estágio profissional. Nem por isso as vitórias têm escapado e recentemente o atleta mangualdense venceu o ouro no lançamento de peso F40 com uma marca de 10 metros e 95 centímetros nos Campeonatos Nacionais Universitários de Atletismo. “Conciliar treinos, trabalho e estudos tem sido mais exigente do que eu pensava. Mas temos conseguido melhorar a gestão do tempo”, reconhece Miguel.
Acessibilidade está hoje mais na ordem do dia, reconhece Miguel Monteiro
Há dez anos no lançamento do peso adaptado, Miguel Monteiro puxa a fita atrás e comparando com o que vê hoje, aquele que venceu o bronze nos Paralímpicos de Tóquio, não tem dúvidas de que “as pessoas hoje dão mais importância à acessibilidade”. “No entanto, há ainda um caminho pela frente. As caixas multibanco ainda não são totalmente acessíveis, por exemplo. E a população mais afetada é a que anda numa cadeira de rodas”, explica o atleta. Na relação com os outros, Miguel Monteiro vinca que lidou sempre com a sua condição “com alguma naturalidade”. “Os comentários, as reações, levei-os sempre de forma natural. Às vezes até me rio. É assim que devemos encarar. Não devemos dar importância há coisas que são muito mais importantes”, começa por referir.
Numa verdadeira lição de vida, Miguel Monteiro lembra que “somos uns privilegiados pela vida”. “O facto de vermos pessoas com outras complicações, viverem tão naturalmente, faz-nos olhar para nós e pensarmos que há muita gente com mais dificuldade e que vive de forma muito mais tranquila”, reflete.
Num meio de autêntica superação, o atleta da Casa do Povo de Mangualde, acrescenta que “o desporto esbate barreiras”: “Cada dia é uma aprendizagem constante. Quando vamos lá fora e vemos várias pessoas com diferentes condições físicas a levarem a vida naturalmente…. É a melhor e maior aprendizagem que devemos ter”, justifica.
Desporto paralímpico é exemplo de superação
Durante as provas, enquanto aguarda pela chamada, Miguel vai assistindo aos companheiros – alguns deles ficam amigos para a vida, como conta – a competir. “Não sou muito de demonstrar emoção nas provas, mas fica sempre alguma coisa. Pergunto-me como é que há atletas que cumprem as provas como quem estala os dedos. São exemplos de superação. A rapidez e facilidade com que as pessoas que usam próteses as trocam para saltar ou correr… Fazem aquilo com uma naturalidade que impressiona qualquer pessoa”, ilustra.
A imagem que Miguel Monteiro usa para se referir a exemplos que já vivenciou é aquela a que João Amaral se socorre para descrever o “discípulo”. “O Miguel é um trabalhador incansável, mesmo quando as coisas não lhe correm bem. Ele não desiste. Procura sempre trabalhar para ultrapassar tudo”, elogia João Amaral que não esquece o lado académico do seu atleta. “É um estudante universitário exemplar”, lembra. João e Miguel estão distantes alguns quilómetros. A distância entre Aveiro, onde Miguel estuda e Mangualde, onde João vive, e esbatida através de chamada. Os contactos são constantes. No final de cada treino, Miguel liga ao treinador para explicar o que foi feito e o que acha que pode ser melhorado. “Esta semana ele estava de férias da universidade e do estágio profissional e continuou a treinar. Estamos a fazer dois treinos diários”, diz o treinador.
Nós. A primeira pessoa do plural é constantemente “conjugada”
Numa vida intensa feita de treinos, estudos e estágio, não há tempo para diversões próprias da idade. Com 23 anos, Miguel Monteiro explica que se habituou há muito “à ideia de que sendo atleta de alta competição, não posso fazer muito do que os jovens da minha idade fazem”. “No entanto, sempre que dá para aproveitar, também aproveito um pouco a vida. Mas há um compromisso, há obrigações que tenho perante outras pessoas”, lembra.
Ao longo da partilha de histórias, tanto João como Miguel se referiram a um “nós”. “É um trabalho conjunto. Sem o meu treinador não haveria nada. Faz mais sentido falar num nós”, justifica Miguel. Há dez anos a treinar Miguel Monteiro e a orientá-lo na modalidade, João Amaral não tem dúvidas de que o treino dado a um atleta paralímpico exige maior sensibilidade. “São atletas muito especiais. Dão-nos coisas que outros não nos dão. Requerem outro carinho, outra atenção”, concretiza.
João Amaral rejeita ter um dom especial para treinar atletas com deficiência “Acho que é o trabalho, a dedicação e ser muito amigo deles”, revela. “Eles também nos vão ajudando. Costumo dizer que as marcas deles é que me obrigam a ser exigente e a puxar muito mais por eles. Tenho dois dos melhores atletas do mundo, o Miguel Monteiro e o Cristiano Pereira”, vinca. Atletas paralímpicos que, defende João Amaral, “têm uma capacidade de superação que os outros não têm”. Não encontram barreiras em nada. Não há nada que os assuste”, lembra.
E se a dupla se desfizer? “Nunca pensei nisso”, diz João Amaral
O treinador da Casa do Povo de Mangualde nem quer pensar no dia em que a dupla tiver de se separar. Quando questionado sobre se imagina Miguel Monteiro a ser treinado por outra pessoa, João Amaral faz uma pausa. “Nunca pensei nisso. Mas se for o melhor para ele, tudo bem”, afirma emocionado. João Amaral entende, no entanto, que “a dupla desfazer-se nunca é bom para ninguém”. “Nem para uma parte, nem para outra. Mas pode acontecer”, reconhece.
Mas esses são cenários que nenhum dos dois quer colocar em cima da mesa. Com o símbolo do clube de Mangualde ao peito, Miguel Monteiro parte novamente para uns Jogos Paralímpicos como um dos atletas em que a comitiva portuguesa mais confia para arrebatar medalhas. O atleta foi mesmo porta-estandarte da última edição da mais importante prova a nível mundial.
Sem pressão pelas medalhas, Miguel Monteiro parte para Paris com a ambição de as agarrar, sem haver pressão. O atleta diz que numa primeira fase o desafio é individual. “O meu foco é a marca. Se as medalhas vierem por acréscimo, tanto melhor. É esse o meu lema”, diz. Como as marcas são para se bater, há uma que está no foco de Miguel corrigir para melhor.
O recorde mundial de 11 metros e 60 centímetros alcançado em 2022, nos nacionais de atletismo de pista coberta, é o primeiro foco do atleta paralímpico. Sem dar aso a muitas superstições, conta que o que faz é procurar entrar com o pé direito, focado, e lançar rápido. E não se tem saído mal.