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Quando decidiu abraçar um novo estilo de vida, Fábio Ferreira não teve dúvidas de que as mudanças passavam pelo jiu-jitsu. Aos 45 anos e com 107 quilos de peso, havia que fazer alguma coisa. Além da forma física, o agora campeão de jiu-jitsu queria corrigir a síndrome de pânico e controlar a diabetes. Dois anos volvidos, hoje com 47, Fábio sente-se uma pessoa nova. Perdeu 30 quilos. “A minha vida de marasmo virou uma vida de atleta, de dedicação. O jiu-jitsu, para mim, não é uma arte marcial. É uma mudança de comportamento”, ressalva.
Ainda em adolescente, Fábio diz ter praticado luta livre ou, como refere, “jiu-jitsu sem kimono”. “Vim agora à procura de luta em tatami. O jiu-jitsu é um estilo de vida e há coisas que não se veem como a parte psicológica, o amadurecimento emocional”, complementa. O atleta assume que desde a adolescência até aos 45 anos se afastou do desporto. Agora, garante, o peso mudou e o comportamento, também. “Amadureci emocionalmente. Este desporto agarra na parte da confiança e trabalha-a. No combate aprendemos a enfrentar as dificuldades da vida. O nosso maior sucesso está do lado do nosso maior medo”, afirma. Fábio Ferreira sublinha que, nas aulas e, depois, na vida, não há medo que resista.
O pânico dos primeiros dias, deu lugar à confiança e à renovação de espírito
“Vamos aprendendo a lidar com as derrotas. É um exercício diário. Aliás, não vemos a derrota com a carga de derrota. É uma aprendizagem. O lema do jiu-jitsu, se quisermos, é nunca se perde. Ou ganhas ou aprendes. A grande chave deste desporto, para mim, foi ensinar-me a não perder. Eu nunca mais fui perdedor. Eu aprendi a lidar com a derrota para amanhã ser melhor”, frisa.
Os primeiros tempos, confessa, não foram fáceis. O receio de estar em grupos de muitas pessoas e de enfrentar o outro estiveram nos primeiros pensamentos. Mas a ajuda do professor Gabriel Nóbrega acabou por revelar-se fundamental para debelar qualquer mal-estar. “Fui em pânico para as primeiras aulas. O professor em vez de me levar para a aula com os outros praticantes, levou-me com o meu filho e a minha filha para uma aula particular. Introduziu-nos ao kimono. Explicou-nos a modalidade e o que queria que desenvolvêssemos numa primeira fase. Depois de algumas aulas ele passou-me para a aula de grupo para eu poder conviver e fui vencendo o pânico. Foi um trabalho escalonado. Vamos amadurecendo emocionalmente e vamos ganhando confiança”, explica Fábio. “O professor Gabriel faz uma interação nas aulas entre competidores adultos, adolescentes e crianças. Deixa-nos transitar nessas turmas. Como se fosse um intercâmbio de ensinamentos”, afirma.
Dois anos depois de entrar no jiu-jitsu, já tem títulos para ostentar num desporto que é “bom demais”
Foi através de Gabriel Nóbrega que há dois anos data encontrou a solução para ingressar na modalidade. E nestes primeiros tempos há já títulos para colocar ao peito. “Estive em Torres Novas numa prova. Competi com e sem kimono. Fui campeão nas duas provas. Entrei a ganhar. Comecei com o pé direito (risos)”, enumera.
Fábio Ferreira garante que nunca encarou o jiu-jitsu como um desporto violento. “O boxe, sim, é. Há sangue, inchaço, murros na cara. O jiu-jitsu tem algo que nenhum outro tem. Se, durante um combate, o que está a perder der as famosas “três tapinhas”, automaticamente a luta encerra. Não se espera até ao dano. É um código de conduta mundial. O grande mistério do jiu-jitsu é mesmo esse: o derrotado assumir que está a perder”, elogia.
E para que o trajeto de vitórias – desportivas e emocionais – não quebre, há que manter a rotina. E na vida de Fábio todos os dias há treino. “A grande maioria das pessoas que lida com o jiu-jitsu como um estilo de vida, vai todos os dias. É meio que viciante. Treino das 19:45h às 21h é bom demais. É bom demais”, evidencia.
O sonho de criar uma escola de formação de jiu-jitsu era o objetivo de Gabriel Nóbrega
Foi também para corrigir a falta de interação com os outros que o professor Gabriel avançou para uma modalidade que, quis o destino, um dia o levaria a fundar uma escola em Viseu. O carioca a viver há 17 anos em Portugal começou aos quatro anos a dar os primeiros passos no jiu-jitsu. “Na altura eu tinha dificuldades respiratória e sofria de alergias. Além de ser pouco comunicativo com as outras crianças. Não me relacionava. Por indicação de amigas da minha mãe, indicaram-me a Academia Gracie, o berço do jiu-jitsu no Brasil”, começa por contar.
Daí até começar a tratar a modalidade por tu foi um passo. “Comecei a ir para poder ganhar mais autoconfiança. Eu era muito introvertido e tinha dificuldades de brincar com crianças mais velhas e no jiu-jitsu eu ganhei mais confiança”, sublinha. Hoje com 42 anos, cumpre há 14 o sonho que foi começando a ter: o de ensinar este desporto aos mais novos. “O meu sonho foi sempre ter uma escola onde eu fosse o responsável. E conseguir passar às crianças tudo o que outras pessoas me ensinaram. Tive um professor, o Renato Gomes, que me levou a eventos de divulgação do jiu-jitsu em comunidades mais carenciadas. E lidámos com todas as pessoas. E isso fez-me querer ter o meu próprio grupo e a minha academia”, confessa.
O carioca chegou a Portugal para estudar Direito aos 25 anos
Gabriel começou por escolher Portugal para estudar. O curso de Direito foi tirado em Coimbra, mas o jiu-jitsu nunca deixou de o acompanhar nas rotinas diárias. “Em Coimbra conheci lá uma outra academia de jiu-jitsu. Quando pensei criar uma escola da modalidade em Viseu quis valorizar a criança. É esse o nosso maior foco. Hoje temos mais de 200 crianças inscritas na nossa academia. Temos crianças desde os 3 anos até jovens até aos 16, 17 anos”, clarifica.
Quando pisou pela primeira vez o solo português vindo do país irmão, Gabriel Nóbrega tinha 25 anos. Olhando para aquele tempo, há 17 anos, o professor de jiu-jitsu não se recorda de alguma vez ter sentido discriminação em Portugal. “Graças a Deus nunca tive problemas de integração. Sempre fui muito bem recebido. Acho que isso também se deve ao jiu-jitsu. Saber o meu espaço na sociedade, reconhecer que estou numa comunidade que é diferente na forma de se comportar. Eu não tive grandes dificuldades em lidar com as pessoas em Portugal. Fui muito bem recebido e sou muito grato”, reconhece.
Em 2014 avançou com a criação da escola
Ao chegar a Portugal, tanto os pais como os sogros já estavam a morar no país de Camões. “Saí do centro do Rio de Janeiro e primeiro vim para Viseu. Fazia o IP3 para estudar em Coimbra. Quando acabei, quis estudar noutra cidade e fui para Aveiro. Em todas as cidades fui sempre muito bem recebido”, garante.
Foi pouco tempo depois que decidiu arriscar e avançar na construção de uma academia de jiu-jitsu. “A escola começou comigo e mais dois atletas que eram meus alunos. Passámos a trabalhar juntos e a difundir o jiu-jitsu mais voltados para a formação”, acrescenta Gabriel Nóbrega.
A escola começou a receber os primeiros alunos em 2010. “Quando cheguei a Viseu já existia um professor que estava na modalidade, mas mais com adultos. E eu queria formar crianças no jiu-jitsu. Em 2010 decidimos seguir um caminho diferente para criar uma escola. Na primeira semana tive uma turma aberta só de crianças. No segundo mês eu já tinha três aulas por semana. Hoje, para se perceber como isto se expandiu, tenho aulas quatro vezes por dia, de segunda a sexta-feira”, detalha.
Nas fileiras da Gabriel Nóbrega Team há mais de 200 crianças num total de 300 atletas. E o número de interessados não para de crescer. “Tenho fila de espera para entrar. Mas têm de aguardar vaga porque não podemos estragar a qualidade do nosso ensino, estabelecemos um número máximo de alunos por turma. E não passamos dali para, justamente, garantir um bom ensino”, explica. O núcleo da escola está em Viseu, mas já há professores formados na cidade de Viriato que dão aulas na Figueira da Foz ou no Algarve.
Escola soma vitórias e medalhas ao longo dos anos
Como que de um currículo se tratasse, durante três anos consecutivos a escola venceu no Campeonato Nacional de jiu-jitsu. “Eu fui tri campeão nacional. Temos professores formados na escola que foram campeões europeus. Há casos de crianças que já viajaram pela Europa e até ao Brasil e já foram campeãs. E fora da competição, as vitórias são constantes. Há crianças que estão a ser acompanhadas por psicólogos que nos indicam melhorias em questões de interação e comunicação. A vitória é vivida tanto dentro como fora do tatami”, enfatiza Gabriel Nóbrega.
Para o futuro, a projeção de ganhar continua. “Temos duas grandes provas pela frente: o Campeonato Nacional, em Lisboa e o Grand Slam, no Porto. São campeonatos importantes no calendário nacional. Recentemente estivemos numa prova que acontece há dez anos, que se realizou em Torres Novas. Levamos 12 atletas a participar e todos foram ao pódio. Tivemos um atleta master, com mais de 50 anos, que foi ao pódio no primeiro lugar. O jiu-jitsu pode ser praticado desde os 3 aos 99 anos”, afirma.
Lamentando que Portugal ainda não tenha pensado na hipótese de colocar o jiu-jitsu no currículo escolar, como acontece no Dubai, o professor ressalva que “o jiu-jitsu pode ser praticado com ou sem kimono”. Basta que o atleta trata uma t-shirt e uns calções nos primeiros tempos. “No futuro, o único investimento que terá de fazer é comprar um kimono”, frisa. No início, o equipamento custava entre 80 e 90 euros. Hoje tem um custo de 25 euros.
O jiu-jitsu é o desporto da sobrevivência, garante Gabriel Nóbrega
Num desporto em que mente e corpo estão intimamente ligados, o professor da Gabriel Nóbrega Team não tem dúvidas de que há uma lógica de sobrevivência nesta modalidade. “O jiu-jitsu tem aquela lógica de umas vezes estarmos por cima, outras, por baixo. Situações de mais aperto, mais pressão do adversário, em que temos de acreditar que podemos sobreviver a momentos mais difíceis. E é isso que depois transpomos para a vida. No nosso dia a dia, seja no trabalho, seja nas relações humanas, há sempre muito conflito. A nossa vida é feita de altos e baixos e esta modalidade ajuda-nos a lidar de forma diferente com vários momentos da nossa vida. O jiu-jitsu faz-me sentir mais confiante e mais determinado para encarar os desafios. Tudo de uma forma mais tranquila, sem grandes desesperos, com mais consciência”, esclarece.
A origem do jiu-jitsu mereceu desde sempre várias teorias, mas hoje é certo que Viseu tem uma das escolas mais preponderantes. Os historiadores não são unânimes acerca da fundação desta modalidade. Há quem defenda que surgiu na Índia com monges budistas, outros sustentam que foi criada na China e chegou ao Japão pela expansão do budismo. Certo é que a origem se perdeu no tempo. No entanto, garante quem pratica jiu-jitsu o grande segredo é o encontro consigo mesmo e com os outros. Há 14 anos que Viseu forma atletas para vencer: no tatami e, garantem os atletas, também na vida.