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Os baldios acompanham a história e são uma peça fundamental no funcionamento de uma aldeia. Fazem parte da paisagem de montanha e já existem desde a época Medieval, talvez mesmo da Romana. Hoje, cumprem com a mesma função, mas já não têm a dimensão geográfica de há centenas de anos. Em Carvalhal de Vermilhas, no concelho de Vouzela, por exemplo, os baldios (um ou dois) que existiam desde o século XII deram agora origem a mais de 100 parcelas de terreno.
É esta a evolução dos tempos e é este um dos pontos do estudo que arqueólogos e investigadores estão a desenvolver na Serra do Caramulo e cujos primeiros resultados estão a ser dados a conhecer durante as III Jornadas de Arqueologia que terminam amanhã em Vouzela.
MONS é o nome do projeto que está a estudar a forma como os povoados se distribuíram no espaço e se relacionaram uns com os outros ao longo dos tempos, os caminhos e os trajetos antigos que ligavam as povoações entre si e com os terrenos dedicados à agricultura e pastoreio, a origem dos costumes e práticas tradicionais de pastoreio e as marcas e construções deixadas pelo Homem na paisagem da montanha.
Os baldios atravessaram séculos, reconfiguraram-se, mas mantém a mesma função e fazem eles próprios parte da relação que a população tinha e tem com o alto da serra.
Agora, as aldeias de montanha têm uma relação privilegiada com o topo da serra e os baldios são em territórios mais inóspitos, em terras de mais altitude.
“Os baldios são uma peça fundamental do funcionamento de um território de aldeia, sem eles as aldeias não funcionavam nas economias tradicionais”, começa por explicar Catarina Tente, uma das arqueólogas responsáveis por este projeto.
Sendo um terreno comunal, que é de todos os habitantes, “o baldio era, e continua a ser, onde se vai, por exemplo, buscar lenha ou coisas complementares de produção como cogumelos ou mel. Mas era fundamental para levar o gado na altura das sementeiras ou colheitas em que os animais não podiam estar nas tapadas (terreno privado) ou junto da aldeia. É esta conciliação de aldeia e baldio que faz o equilíbrio da economia rural no Caramulo desde a Idade Média e sempre foi assim”, acrescenta.
Das escavações, entrevistas, pesquisa e investigação que está a ser feita já é possível concluir que há muitos baldios na Serra. “Estão é muito partidos, fragmentados”.
“Uma das coisas que o projeto está a fazer é mapear os baldios e fazer uma análise regressiva e o que se percebe é que eles estão muito retalhados, ou seja, foram partidos aos bocadinhos e sobram agora algumas parcelas. Por exemplo, Carvalhal de Vermilhas tem mais de 100 parcelas de baldio neste momento. São espaços coletivos à mesma e geridos coletivamente, diferença é que o que era o original, hoje já é uma sombra”, salienta.
Segundo Catarina Tente, os baldios foram sendo “atacados” ao longo da história, “mesmo desde a época medieval em que os senhores tentavam apropriar-se deles precisamente para lá levar os seus rebanhos” ou, mais recentemente, “no século XIX e Estado Novo”. Mas esse, frisa a investigadora, seria outro debate.
Serra do Caramulo “explorada” desde o Neolítico
Ainda sobre o projeto piloto MONS, a arqueóloga conta que outras evidências sobre a Serra do Caramulo identificam, por exemplo, que as aldeias tinham um sistema agropastoril já antes da Idade Média. “Há um complemento entre a parte agrícola e a criação dos animais. Uma não existe sem a outra. Isto é uma das coisas interessantes que temos notado. Uma coisa que vemos nos povoados que temos escavado é este complemento entre as terras mais altas e as aldeias de meia encosta ou de vale”, refere.
Outra evidência é a de que a Serra do Caramulo é “explorado” de uma forma intensa desde o Neolítico.
“Portanto, não podemos dizer que a criação de povoados seja só, por exemplo, por questões de defesa. Isto também é uma surpresa, o facto da serra ser antropizada tão cedo. Sabe-se que os seres humanos ocuparam-na de forma permanente e não de forma acessória ou apenas em determinados momentos”, adianta.
Mas afinal como eram as aldeias na Serra do Caramulo? As aldeias de meia encosta e de altitudes mais elevadas têm a mesma estrutura. Têm o lugar da habitação, os tapados que são as parcelas privadas de produção agrícola e têm os baldios. “Esta composição do território existe para todas as aldeias. É uma coisa que é formada durante a Idade Média e que se vai manter praticamente até aos dias de hoje, sendo que agora é que estamos a perder esta estrutura”, conclui Catarina Tente.
O MONS começou em maio e termina em 2025 e, de acordo com a arqueóloga, ainda há muito para fazer. Trata-se de um estudo inovador em Portugal, na medida em que é o primeiro a combinar os métodos da etnografia (o estudo da cultura e tradições das comunidades) com a arqueologia (o estudo do passado dessas comunidades através dos seus restos materiais).
“Resulta de uma colaboração entre o Instituto de Estudos Medievais, o município de Vouzela e a Vouzelar. Temos investigadores do Instituto mas também temos colegas de geografia, da arqueobotânica e arqueozoologia para estudar restos de plantas e animais”, exemplifica.
O estudo está a ser feito através da análise dos documentos históricos escritos; de inquéritos e entrevistas gravadas a membros das comunidades locais que mantenham práticas tradicionais e/ou memórias dos costumes antigos; da elaboração de mapas que permitam perceber os modos de uso da terra ao longo dos tempos e de trabalhos arqueológicos de prospeção e escavação em alguns sítios escolhidos.
“Neste caso pegámos em três freguesias do concelho de Vouzela (Cambra, Carvalhal de Vermilhas e Ventosa) para por-mos em prática uma metodologia inovadora. O que vamos apresentar é também em grande parte as escavações que já foram realizadas até ao momento e, por outro lado, aquilo que é o resultado das entrevistas à população porque este projeto tem um foco muito direcionado para a recolha da memória e da memória atual que nos possa ajudar a interpretar as paisagens antigas”, sustenta a responsável pelo projeto.
Já Rui Ladeira, presidente da Câmara Municipal de Vouzela, considera que é uma necessidade cada vez mais urgente recolher e registar o saber e a memória das comunidades rurais. “Esta urgência é ditada pela transformação brusca que o mundo rural e a paisagem de montanha tem sofrido nas últimas décadas, com a substituição dos modos tradicionais de pastoreio e agricultura por uma exploração intensiva e mecanizada da floresta”, adianta.
“Ainda existe toda uma geração de antigos proprietários, de pastores e de agricultores que são uma fonte de informação única, mas que está em vias de desaparecer e cujo saber é fundamental registar antes que se perca para sempre”, considera o autarca.
Além da comunicação dos primeiros resultados deste projeto nas Jornadas de Arqueologia, vai ainda ser inaugurada uma exposição e apresentado também o ponto de situação do projeto MEGA, cujos trabalhos terminam este ano. Trata-se de estudo do património histórico-arqueológico direcionado para os monumentos funerários pré-históricos que muitos deles ficaram expostos depois dos incêndios de 2017 e que aumentou, enormemente, a quantidade de informação e de locais que existia até então.