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Escrita fantasmática

 Escrita fantasmática
23.03.24
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A história do filme “The Front / Testa-de-Ferro”, de Martin Ritt, passa-se nos anos cinquenta do século passado, no período de histeria anticomunista conhecido por macartismo, em que um comité dirigido pelo senador Joseph McCarthy perseguiu milhares de norte-americanos por suspeita de pertencerem ao partido comunista. Muitas dessas pessoas, só pelo facto de terem sido convocadas para prestarem declarações, foram postas em listas negras, perderam os seus empregos e ficaram com a vida desgraçada.
No filme, Woody Allen faz o papel de um homem que não tem onde cair morto a quem um guionista na lista negra lhe pede para passar a assinar os seus textos ficando com parte do cachê. A coisa corre tão bem que ele passa a “produzir” guiões com fartura, entra num corrupio, empresta o seu nome a várias vítimas da sanha macartista, torna-se uma celebridade, conquista um amor lindo a quem, mais tarde, tem de confessar não ser capaz de escrever nem… “uma lista de mercearia”.

Liam Pieper sabe escrever, escreve muito bem até. É um quarentão nascido em Melbourne que acaba de publicar um artigo delicioso no Guardian intitulado: “Não recebi o crédito pelo meu best-seller: a vida secreta do famoso escritor fantasma”.
Liam confessa estar muito feliz. Um livro escrito por si tornou-se um sucesso planetário, “quatro anos depois de ter sido publicado, ainda vende como bilhetes para Taylor Swift”. Está em todas “as estantes dos amigos”, que lhe dizem “que mudou as suas vidas” e lhe perguntam se o leu. É que o seu nome não está na capa do livro, está o nome de um vip.
Liam é “um escritor fantasma profissional”. Dá resposta a uma pulsão que é muito antiga mas que se pratica agora como nunca: a “vanity publishing”, a “publicação de vaidade”. Os honorários são bons e trabalho não lhe falta. Quando chegou a pandemia, confinadas em casa, as celebridades “decidiram tornar-se autores.” Acabada a peste, continuam a chegar encomendas de gente importante “no desporto, nas artes, na política, no TikTok”. É um virote. O homem não pára.
Será que este escritor-fantasma, para dar vazão à procura, já está a contratar, ele próprio, outros escritores-fantasmas? Será que também tem clientes portugueses?

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