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Na sexta-feira, dia 27 de junho, a exposição “Ecos, Rastos, Ritmos” é inaugurada na Galeria Solar da Porta dos Figos, em Lamego. Esta exposição trata-se de um encontro improvável e simultaneamente necessário entre dois artistas de gerações distintas: Jorge Pinheiro, nascido em 1931, e Pedro Tudela, nascido em 1962, em Viseu. A exposição, com curadoria de Joana Valsassina e integrada no programa de itinerâncias da Coleção de Serralves, propõe um diálogo entre desenho, pintura, escultura e instalação sonora. Mais do que procurar semelhanças evidentes entre universos estéticos diferentes, a mostra aposta na criação de uma ressonância – feita de aproximações sensíveis, diferenças assumidas e ritmos interiores que reverberam no espaço.
As obras de Jorge Pinheiro datam da década de 1970 e pertencem ao acervo da Coleção de Serralves. Já as peças de Pedro Tudela, realizadas entre finais da década de 1990 e 2025, incluem instalações sonoras, esculturas e desenhos. A ideia de diálogo – e não de fusão, como Pedro Tudela explicou ao Jornal do Centro – está presente desde o início da conceção da exposição. “Foi tudo feito em conversa. A curadora apresentou-nos a ideia, e a partir daí começámos a pensar em peças que pudessem entrar em confronto. Confronto no sentido positivo: pôr frente a frente dois modos de olhar e de construir visualidades, mesmo que em tempos diferentes”, explicou Pedro Tudela.
A origem desta mostra conjunta é, curiosamente, um acaso performativo. Pedro Tudela recorda que, há alguns anos, realizou uma performance com Miguel Carvalhais e outro colaborador junto a uma escultura de Jorge Pinheiro no Convento Corpus Christi, em Vila Nova de Gaia. A peça de Jorge Pinheiro, feita com espelhos, papel e estrutura metálica, foi incorporada na performance, com recurso a lasers. “Aquilo aconteceu ali, sem intenção de criar qualquer relação. Mas alguém de Serralves viu e achou interessante”, conta. A partir dessa coincidência, Joana Valsassina propôs criar um diálogo mais aprofundado entre os dois autores, a partir das suas obras.
A apresentação em Lamego é adaptada à escala e à configuração da Galeria Solar da Porta dos Figos. Apesar de não ser uma exposição feita em exclusivo para este local, houve o cuidado de fazer ajustes para que o percurso se mantivesse coerente. “A dimensão das salas influencia, claro. Mas também a luz, o som ambiente, a própria ideia de escala das peças. Tentámos manter uma lógica que fizesse sentido no espaço, sem perder o confronto entre as obras”, esclareceu Pedro Tudela.
Ao percorrer a exposição, o visitante confronta-se com um jogo de presenças e ausências, de sons reais e sons apenas sugeridos, de matérias que se transformam em linguagem. A ligação mais evidente entre os dois artistas surge a partir do som – quer como fenómeno acústico, quer como ideia estrutural e formal, contou o artista contemporâneo. Em Jorge Pinheiro, o som é representado graficamente, em partituras visuais e em esquemas marcados por uma lógica matemática. “Há uma peça que consiste em estantes musicais com um conjunto de folhas, organizadas como se fossem uma partitura visual. É um som que não se ouve, mas que se pode imaginar”, disse ainda o artista viseense.
Já nas obras de Pedro Tudela, a sonoridade é tangível, envolvente, por vezes até desconcertante, como o próprio sugeriu. Em A Idade do Cacifo, uma instalação composta por um cacifo de aparência comum, ouve-se alguém a tentar sair do interior. “Gravei o som de alguém a tentar abrir a porta, a bater, a forçar a saída. O som é credível. Ouvimo-lo, e sabemos que há ali qualquer coisa que nos interpela, que nos perturba. Mas não vemos ninguém”, descreveu. Noutra peça, uma pequena guarita de madeira, há um sino de vidro pousado na parte inferior, assim como uma corneta virada para fora. De tempos a tempos, ouve-se um som construído a partir de gotas de água. “É quase uma peça ecológica. Uma metáfora, um alarme. Mas feito com linguagem artística e sonora. É quase impercetível, mas está lá.”
A dimensão sonora está também presente nas peças mais recentes de Pedro Tudela, mesmo quando não há som audível. Uma escultura mural, de 2025, feita com cinco galhos de latão, remete para a ideia de pentagrama musical – mas com as linhas em desequilíbrio, como se o som ganhasse corpo, ondulação e movimento, esclareceu. “Trabalhei com base em galhos reais, fotografei-os, fiz uma ampliação digital, depois a forma e o corte do latão. Aquilo que poderia ser uma estrutura rígida torna-se orgânica. É como se a música ganhasse forma física.”
Questionado sobre os pontos de contacto entre a sua obra e a de Jorge Pinheiro, Tudela reconhece que a relação é sobretudo conceptual. “Somos artistas de tempos muito diferentes. Mas há afinidades. O trabalho do Jorge Pinheiro nesse período mais abstrato é extremamente rigoroso, com uma ligação à matemática, ao ritmo, ao tempo. E isso aproxima-se muito daquilo que me interessa: o som, a estrutura, a relação com o corpo e com o espaço. A diferença é que eu trago o som real, o som que se ouve.”
A exposição parte da ideia de eco – não como repetição exata, mas como consequência alterada. O espelho, presente em algumas obras de Jorge Pinheiro e também em gestos simbólicos do percurso expositivo, é pensado como uma ferramenta de desvio. “O reflexo não é igual ao objeto refletido. O que vemos é uma versão outra. E isso interessa-me muito: o modo como as coisas se desdobram, como o som se propaga, como a memória se deforma”, disse Pedro Tudela.
Há ainda uma componente afetiva nesta exposição, com o artista a valorizar o facto de a exposição passar por lugares fora dos circuitos habituais. “Há um esforço de descentralização que é muito importante. Ir a Ourém, a Viseu, agora a Lamego, são sítios com história, com energia própria, e que merecem estes momentos de encontro com a arte contemporânea. Vivemos num país pequeno, mas quase tudo acontece em Lisboa e no Porto. Fazer o contrário é refrescante e necessário.”
A inauguração da exposição Ecos, Rastos, Ritmos está marcada para as 18h00 de sexta-feira, dia 27 de junho, na Galeria Solar da Porta dos Figos, em Lamego. A mostra poderá ser visitada até 8 de setembro, com entrada livre. Pedro Tudela deixa um convite simples a quem se aproxime, mesmo que com hesitação: “É uma oportunidade rara de ver dois artistas tão diferentes juntos, a provocar um diálogo que não é óbvio. Quem vier com tempo e com curiosidade, sai daqui a pensar. E isso é tudo o que a arte pode oferecer.”