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Home » Notícias » Desporto » Miguel Monteiro foi dourado na cidade luz. A vitória de um atleta para quem o ‘nós’ é mais importante que o ‘eu’

Miguel Monteiro foi dourado na cidade luz. A vitória de um atleta para quem o ‘nós’ é mais importante que o ‘eu’

Uma manhã que começou com café português e terminou à procura da mochila que teimava em não aparecer. Chamadas foram muitas, mensagens muitas mais. 11 metros e 21 centímetros. A marca que foi de ouro e é agora recorde paralímpico do lançamento do peso F40. Ninguém até agora fez melhor. Miguel Monteiro foi recebido em festa em Mangualde, a terra que o viu nascer há 23 anos

Carlos Eduardo Esteves
 Miguel Monteiro foi dourado na cidade luz. A vitória de um atleta para quem o 'nós' é mais importante que o 'eu'
07.09.24
fotografia: Igor Ferreira
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 Miguel Monteiro foi dourado na cidade luz. A vitória de um atleta para quem o 'nós' é mais importante que o 'eu'
08.10.24
Fotografia: Igor Ferreira
 Miguel Monteiro foi dourado na cidade luz. A vitória de um atleta para quem o 'nós' é mais importante que o 'eu'

Não haverá nunca mais um primeiro de setembro na vida de Miguel Monteiro sem que os ‘flashes’ reportem para Paris em 2024. O Estádio que, em 2016, foi talismã para Portugal – que ali, pela primeira vez, levantou um título europeu de futebol sénior – foi-o também para o desporto paralímpico português. As bancadas encheram-se de esperança lusa e aquela manhã de 1 de setembro, foi luminosa na cidade que faz da luz estatuto. O lançador de peso, que Mangualde viu nascer à beira do natal, a 23 de dezembro de 2000, lançaria a 11 metros e 21 centímetros. Agarrou no esférico, rodou e lançou. A distância a que atirou levou-o ao ouro no lançamento do peso F40, mas não só. Naquele dia, neste 1 de setembro, Miguel Monteiro, o jovem que se encontrou com o atletismo depois de passar pela natação e pelo futsal, estabeleceria um novo recorde paralímpico. O russo Gnezdilov ficou para trás. E agora o recorde é mangualdense.

O discurso feito em ‘nós’ e nunca em ‘eu’

Algumas horas depois de garantir o ouro para Portugal – algo que não acontecia em Paralímpicos desde 2008 em Pequim – Miguel Monteiro voou para Portugal. À espera tinha a cidade-natal em festa. A receção na Câmara fez-se de muita gente. “Fui até à varanda da Câmara vi os mangualdenses a assistir. Foi muito bom”, confessa o jovem de 23 anos. Miguel Monteiro reforça várias vezes a ideia de que este é um trabalho coletivo. “Não fui só eu o responsável pela medalha. Envolveu muitas pessoas. Da minha terra e de Aveiro, onde estou a estudar, além do Comité Paralímpico, Federação Portuguesa de Atletismo. A minha família, o senhor João, os colegas que, sem objetivos desportivos e no verão, continuaram a treinar para nos fazer companhia. Não nos abandonaram e deram-nos alento para continuarmos a trabalhar até Paris. Esta conquista é muito deles”, vinca.

Esta é, aliás, uma das tónicas do discurso de Miguel Monteiro. O ‘eu’ desaparece para dar lugar ao ‘nós’. E a dupla que forma há mais de dez anos com João Amaral, o treinador de sempre no atletismo, dá corpo a este sentimento de união. “Ao longo dos últimos meses temos vindo a trabalhar bastante para estarmos preparado. Foi duro, mas ao longo do tempo, notei que estávamos bem fisicamente e que chegar às medalhas era possível”, explica. O ‘tenho vindo a trabalhar’ conjuga-se sempre num ‘temos vindo a trabalhar’. O eu, para Miguel, tem muito pouca importância.

O café português que lhe lembrou a Pátria, durante as horas em que procurou estar incontactável

Na manhã de 1 de setembro, Miguel assinala que tudo foi vivido com a maior tranquilidade possível. Até porque antes, conta, desde que chegou a Paris, os dias foram desenhados como se fosse o dia da prova. “Procurámos manter a rotina: treinar de manhã, aproximado à hora da prova, planear como se fosse o dia D. Tomei o pequeno de almoço e comi o habitual. É preciso adaptar um pouco, mas não mudou praticamente nada: hidratos, café, leite”, detalha. O No dia anterior, refere, “já tinha arrumado as coisas”. Antes da prova, um pequeno grande detalhe. “Foi só beber o cafezinho português, ir ao quarto buscar as coisas e seguir para o estádio”, sublinha. E foi tudo preparado com antecedência para não haver stress. “Fiz aquecimento, entrei na câmara de chamada, terminei o aquecimento aí e depois foi a prova”, descreve Miguel.

O primeiro lançamento não correu bem e foi no terceiro que o ouro se fez com 11 metros e 21 centímetros. “Estava bastante tranquilo. Fui aprendendo a fazer isso noutras competições. Nunca senti que a medalha de ouro estava completamente segura, porque alguém podia fazer melhor. Praticamente todos conseguiram superar-se, no fundo. Só quando houve o último lançamento é que tive a certeza de que a vitória não escapava”, refere.

‘Entre as brumas da memória’. Um hino inesquecível e um abraço para a história

Os contactos com Portugal pararam antes da prova. Amigos e família só os reencontrou no Stade de France. “Normalmente nos dias de prova, desligo-me de redes sociais e do mundo. Praticamente só falei com o senhor João. Nas bancadas comecei a ver colegas e família. Estavam lá a minha mãe e irmã e amigos da universidade”, conta. Para além das lágrimas a ouvir o hino e do festejo com a medalha ao peito e nas mãos, uma das imagens mais marcantes que Portugal e o mundo viram na transmissão televisiva foi o abraço entre Miguel e João. Atleta e treinador. A dupla. “Não dissemos nada um ao outro. Foi só mesmo o abraço”, confessa. E no hino, durante ‘A Portuguesa’, garante ter visto, como que flashes lançados a 11 metros e 21 centímetros, “todos os momentos que passámos: os mais fáceis e sobretudo os de maior dificuldade”. “Emocionei-me”, resume.

Na hora da vitória, Miguel Monteiro diz que é fundamental retirar “lições de todas as provas”, corram elas bem ou não. “As mais importantes e as que mais nos ensinam, são as derrotas. E ao longo destes anos já tivemos momentos muito bons, mas também duros. E aprendemos sempre. É muito importante que isso aconteça e continuar a caminhar para alcançar o sucesso e nunca desistir dos sonhos”, acrescenta.

É nas conquistas dos outros, que os pais de crianças e jovens com deficiência devem rever-se

Foi uma das frases mais marcantes que Miguel Monteiro disse ao mundo depois de arrecadar o ouro. O lançador defende que os pais de crianças e jovens com deficiência devem dar asas aos mais novos para que se realizem no desporto. “Tive a sorte de ter uns pais que sempre me libertaram para o mundo e para fazer o que entendesse. Comecei na natação, fui para o futsal. Na escola fiz todo o tipo de desporto, não me negava a nada até chegar o atletismo. Gostava que, com esta medalha, mais pais possam ver a utilidade do desporto para o bem-estar das famílias e do próprio atleta, com ou sem deficiência. O desporto faz bem a todos”, reforça.

O êxito da prova depende do treino, mas nem sempre o treino resulta em vitória

E é na hora do sucesso que Miguel Monteiro envia outra mensagem ao mundo, para quem quiser ouvir. O campeão do lançamento do peso F40 dos Paralímpicos de Paris defende que a vitória no dia D “vive do momento”. “Pode não ser o dia do atleta e temos de saber lidar com isso. Felizmente, foi o nosso dia e trabalhámos muito para isso”, frisa. Miguel Monteiro diz não ter dúvidas de que quando há trabalho e vontade, os resultados aparecem, “mais tarde ou mais cedo”. “Nós trabalhamos muito ao longo do verão e saímos com o sentimento de dever cumprido. Eu e o senhor João abdicamos de muita coisa. Fomos devidamente recompensados e gratos por isso”, vinca. Este foi um verão desafiante para Miguel. Para além de estar a trabalhar, teve de treinar e houve um mestrado para terminar. A tese, confessou ao Jornal do Centro, terminou-a a caminho do Japão para os mundiais paralímpicos. O mestrado foi concluído e, cereja no topo do bolo, a medalha foi conquistada. À partida para Paris, e com receio de que “os planos pudessem sair furados”, não confessou o que agora revelou. “As marcas que fui tendo nos treinos foram parecidas com as da prova. Muito semelhantes. Nós não gostamos muito de falar sobre o treino até porque os planos podem sair furados”, justifica.

Éder rematou em 2016, Miguel também rematou, mas com a mão, em 2024

De Paris diz trazer a ideia de que o “trabalho gera frutos”. Confirmou-a em pleno Stade de France, o palco da final do Europeu de futebol, em julho de 2016. Passaram oito anos e dois meses. Já com o ouro em mãos, Miguel Monteiro conversou com Eduardo Pestana, jornalista da RTP que lhe recordou que ali Portugal já havia sido feliz em futebol. “Não tinha pensado nisso, mas depois de o ouvir, senti-me um Éder neste dia 1 de setembro ao levar uma medalha de ouro para Portugal. Já não acontecia há bastante tempo”, justifica. Até sair do estádio andou atrás da mochila. “Passei algum tempo à procura dela. Andava perdida não sei onde”, conta, entre risos. A medalha, essa, guarda-a como um tesouro. E vai direitinha para onde estão todas as outras. No quarto, em Mangualde, na terra que deu origem ao que tem hoje.

 Miguel Monteiro foi dourado na cidade luz. A vitória de um atleta para quem o 'nós' é mais importante que o 'eu'

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 Miguel Monteiro foi dourado na cidade luz. A vitória de um atleta para quem o 'nós' é mais importante que o 'eu'

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